terça-feira, 20 de janeiro de 2015

20/01 Juros sobre o capital social nas sociedades cooperativas

A Lei nº 5.764/71, em seu artigo 24, parágrafo 3º, autoriza as Sociedades Cooperativas a remunerarem o capital dos cooperados com juros de até 12% ao ano, conforme a seguir descrito:

§ 3°. É vedado às cooperativas distribuírem qualquer espécie de benefício às quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada.

No caso específico das Cooperativas de Crédito, o artigo 7º da Lei Complementar nº 130, de 17 de abril de 2009, estabeleceu a seguinte regra, sobre a remuneração do capital social:

Art. 7º É vedado distribuir qualquer espécie de benefício às quotas-parte do capital, excetuando-se remuneração anual limitada ao valor da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - Selic para títulos federais.

Por outro lado, a Resolução nº 18/78, do Conselho Nacional do Cooperativismo (CNC)¹, estabeleceu que as Sociedades Cooperativas somente poderão atribuir juros ao capital dos sócios quando forem apuradas sobras.

O CONSELHO NACIONAL DE COOPERATIVISMO, em sessões realizadas em 13 de dezembro de 1978, com base no disposto no artigo 97, item II, da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. RESOLVEU:

I - As sociedades cooperativas somente poderão pagar juros sobre o valor das quotas-partes integralizadas do capital quando tiverem sido apuradas sobras.
II - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 13 de dezembro de 1978.
Alysson Paulinelli
Presidente

De imediato, é importante entendermos a razão pela qual o legislador definiu que as Sociedades Cooperativas somente poderão atribuir juros ao capital dos sócios quando forem apuradas sobras.

Um dos princípios básicos que rege as Sociedades Cooperativas, segundo a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), é o princípio da participação econômica dos associados, pois os cooperados contribuem equitativamente e controlam democraticamente o capital de sua cooperativa.

O artigo 80 da Lei nº 5.764/71 prevê que as despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços, podendo haver o rateio, em partes iguais, das despesas gerais da sociedade entre todos os associados, quer tenham ou não, no ano, usufruído dos serviços por ela prestados, conforme definido no estatuto.

Outrossim, o inciso VII do art. 4º desta mesma lei estabeleceu a regra do retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembleia Geral.

As sobras, via de regra, correspondem ao excesso de contribuições dos associados para a cobertura das despesas da sociedade, pois as cooperativas realizam suas operações sem qualquer finalidade lucrativa, conforme definido no artigo 3º da Lei nº 5.764/71 ².

Diante do exposto, é fácil concluir que, não havendo sobras, não há como remunerar o capital social dos cooperados, pois os referidos juros são lançados no resultado do exercício, fazendo com que as sobras líquidas sejam reduzidas. Portanto, os juros sobre o capital social, nas sociedades cooperativas, resultam da própria contribuição dos cooperados.

Diferentemente, nas empresas de capital o propósito de remuneração de juros sobre o capital social é bem distinto, desde o procedimento de cálculo desses juros, como em relação à condição de remuneração de juros ao capital, conforme previsto no artigo 9º da Lei nº 9.249/95, a seguir transcrito:

Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP.

§ 1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados. (Redação dada pela Lei nº 9.430, de 1996)

Nota-se que os juros sobre o capital, previstos no artigo 9º da Lei nº 9.249/95, são calculados sobre as contas do patrimônio líquido, pela taxa de juros de longo prazo (TJLP), porém, o produto resultante deste cálculo é revertido na proporção do capital dos sócios/acionistas, podendo resultar em um benefício muito superior aos juros legais autorizados para as cooperativas.

Nota-se, também, que a remuneração dos juros sobre o capital próprio, no caso das empresas de capital, independe da existência de lucros no exercício, pois é possível a utilização de lucros acumulados e reserva de lucros, conforme parágrafo 1º do art. 9º da Lei nº 9.249/95.

Outro fato relevante é que o artigo 347 do Decreto nº 3.000/99 prevê a dedutibilidade dos juros na apuração do lucro real da pessoa jurídica, enquanto que o § 2º desse mesmo artigo prevê a incidência do imposto na fonte, na forma prevista no art. 668 do RIR/99, conforme descrito a seguir:

Art. 347. A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos de apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP (Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º).

§ 1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados (Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º, § 1º, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 78).

§ 2º Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto na forma prevista no art. 668 (Lei nº 9.249, de 1995, art. 9º, § 2º).

O artigo 668 do RIR/99, enfaticamente, estabelece a incidência de imposto de renda na fonte, mas apenas sobre os juros calculados sobre as contas do patrimônio líquido, na forma prevista no art. 347 do regulamento:

Art. 668. Estão sujeitos ao imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito, os juros calculados sobre as contas do patrimônio líquido, na forma prevista no art.347 (Lei nº 9.249,de 1995, art. 9º,§2º).
  
De outro lado, inexiste previsão no RIR/99 sobre a incidência de tributação sobre os juros pagos pelas cooperativas sobre o capital integralizado:

Art. 348. São dedutíveis os seguintes encargos:
.......................
II - os juros pagos pelas cooperativas a seus associados, de até doze por cento ao ano sobre o capital integralizado (Lei nº 4.506, de 1964, art. 49, parágrafo único, e Lei nº 5.764, de 1971, art. 24, § 3º).

Nesse contexto, é importante observar que as empresas de capital possuem o privilégio de poder remunerar o capital com juros calculados pela TJLP aplicada sobre o patrimônio líquido (capital e reservas), o que pode gerar uma remuneração elevada, conforme exemplificado anteriormente, utilizando-se, para tanto, os lucros, lucros acumulados e reservas de lucros, além do benefício da empresa poder lançar tais juros como despesa dedutível, para fins de cálculo do imposto de renda e contribuição social. Assim, o imposto de renda na fonte com alíquota de 15% (quinze por cento) sobre os juros do capital próprio, via de regra, importa em uma economia fiscal para as empresas de capital na ordem de 34% (trinta e quatro por cento), ou seja, 25% de imposto de renda e 9% de contribuição social. No caso específico dos Bancos, a economia tributária é ainda maior, pois a contribuição social é devida pela alíquota de 15%, sendo assim, o benefício fiscal passa para 40%, sendo 25% de imposto de renda e 15% de contribuição social.

Este benefício não ocorre para as sociedades cooperativas, ainda que o artigo 348 do RIR/99 preveja a dedutibilidade dos juros pagos a seus associados, simplesmente porque o resultado das cooperativas, denominado de sobras, não sofre tributação.

Em síntese, é justa a tributação dos juros sobre o capital próprio, nos termos do artigo 347 do RIR/99, pois os referidos juros reduzem o lucro tributável e, consequentemente, a carga tributária nas empresas de capital.

No caso das cooperativas, as sobras não constituem renda tributável da pessoa jurídica (cooperativa), pois as sobras pertencem aos cooperados, assim, as cooperativas não usufruem do benefício pela dedutibilidade dos juros sobre o capital social, logo, não faz sentido a tributação dos juros pagos ou capitalizados, uma vez que referidos os juros apenas reduzem as sobras que não são sujeitas à tributação, mas não reduzem a tributação na pessoa jurídica, como ocorre nas sociedades de capital.

Em outras palavras, no caso da empresa de capital, a incidência de juros sobre o capital importa na transferência de patrimônio da pessoa jurídica para os sócios ou acionistas, enquanto que na sociedade cooperativa a incidência de juros sobre o capital não implica em acréscimo patrimonial aos associados, pois os juros que lhe são pagos e/ou creditados são oriundos das sobras que já lhes pertencem.

Diante da lacuna legal sobre a tributação do imposto de renda sobre os juros de até 12% ao ano pago pelas Sociedades Cooperativas, a Receita Federal considera que os referidos juros se enquadram no conceito de Juros em geral, sobre o qual se aplica a alíquota de 20% de IRF, conforme manifestação expressa nas soluções de consultas a seguir transcritas:

“Superintendência Regional da Receita Federal 9ª Região Fiscal Solução de Consulta nº 25, de 12 de fevereiro de 2004
Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: Os juros até o limite de 12% ao ano, pagos ou creditados pelas cooperativas a seus associados, a título de remuneração do capital social, estão sujeitos à retenção do imposto de renda na fonte à alíquota de 20%.”

“Superintendência Regional da Receita Federal 1ª Região Fiscal Decisão nº 168, de 26 de junho de 2000
Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: JUROS PAGOS POR COOPERATIVAS. Os juros pagos pelas cooperativas a seus associados pessoas físicas, como remuneração do capital social, sofrerão tributação exclusiva da fonte, à alíquota de 20%, na data do pagamento ou crédito, não podendo, no entanto, ser compensado na declaração de Ajuste Anual.”

“Superintendência Regional da Receita Federal 1ª Região Fiscal Solução de Consulta nº 99, de 13 de dezembro de 2001
Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: JUROS PAGOS POR COOPERATIVAS. Os juros pagos pelas cooperativas a seus associados pessoas físicas, como remuneração do capital social, sofrerão tributação exclusiva da fonte, à alíquota de 20%, na data do pagamento ou crédito.”

Diante do exposto, concluímos que não existe base legal para a tributação dos juros pagos ou creditados pelas Sociedades Cooperativas sobre o capital dos seus sócios, nos termos previstos no artigo 24, § 3º da Lei nº 5.764/71, em que pese o entendimento da Receita Federal, manifestado através de soluções de consulta. Sendo assim, diante de todo o exposto, entendemos que as Cooperativas devem recorrer ao Judiciário, visando isentar-se dessa tributação.

Não menos importante é a questão de contabilização dos juros sobre o capital próprio, cujo tema foi tratado pela Receita Federal, através da Instrução Normativa SRF nº 41/98, a qual estabeleceu:

Art. 1º. Para efeito do disposto no artigo 9º da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, considera-se creditado, individualizadamente, o valor dos juros sobre o capital próprio, quando a despesa for registrada, na escrituração contábil da pessoa jurídica, em contrapartida a conta ou subconta de seu passivo exigível, representativa de direito de crédito do sócio ou acionista da sociedade ou do titular da empresa individual.

Nota-se que o RIR/99 autoriza a dedutibilidade dos juros pagos pelas pessoas jurídicas aos seus sócios, e ao mesmo tempo a Receita Federal estabelece que a dedutibilidade dos juros ocorre quando a despesa for registrada, mostrando que a redução do lucro tributável ocorre pelo registro contábil dos juros na conta de despesa.

De outro lado, a Deliberação CVM nº 207/96 estabeleceu que os juros pagos ou creditados pelas companhias abertas, a título de remuneração do capital próprio, na forma do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, devem ser contabilizados diretamente à conta de Lucros Acumulados, sem afetar o resultado do exercício. A CVM se reporta especificamente aos juros sobre o capital próprio, previstos no artigo 9º, orienta a forma de contabilização aplicável às Cias de capital aberto, as quais estão subordinadas à CVM, portanto, tal norma não se aplica às Sociedades Cooperativas.

Conforme já foi reportado anteriormente, nas Sociedades Cooperativas somente é permitida a remuneração de juros sobre o capital social quando forem apuradas sobras, de forma que os referidos juros devem ser lançados como despesas/dispêndios, a fim de que as sobras sejam ajustadas para fins de cálculo das destinações legais e estatutárias e apuração das sobras líquidas à disposição da Assembleia Geral.

¹ O Conselho Nacional do Cooperativismo foi instituído pela Lei nº 5.764/71, art. 97, cabendo a este órgão, dentre outras, a competência para baixar normas regulamentadoras, complementares e interpretativas, da legislação cooperativista.
² Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Por Contador Dorly Dickel - Integrante da Comissão de Estudos sobre Contabilidade do Setor Cooperativo do CRCRS


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