quinta-feira, 28 de junho de 2018

No Carf, Câmara Superior nega aplicação de mudanças na LINDB a recurso

Pela primeira vez, uma turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) debateu se as mudanças na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) valem a processos administrativos. A discussão, que gerou mais de uma hora de debates entre os conselheiros da 2ª Turma, ocorreu na sessão do dia 21 de junho.

O caso envolvia o ex-doleiro Hélio Laniado, e discutia a base cálculo para cobrança do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) no período em que ele exercia sua atividade. A Fazenda Nacional alegava que todo o montante que circulou na conta deveria ser oferecido à tributação, enquanto a defesa do contribuinte defendia que apenas o spread, a diferença entre o montante total retido e aquele efetivamente enviado para contas no exterior, deveria ser alvo de tributação.

Quando o caso retornou de pedido de vista, no dia 21, a defesa de Helio Laniado suscitou brevemente, da tribuna, que a turma deliberasse sobre a aplicação do artigo 24 da LINDB ao caso.

Recentemente alterada pela Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, a mudança prevê que “a revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.

O pedido de deliberação por parte dos contribuintes tem ocorrido em câmaras baixas, com os colegiados optando por abrir prazo para que a Fazenda Nacional possa se manifestar sobre a nova redação.

A relatora do caso na Câmara Superior e presidente da 2ª Seção, conselheira Maria Helena Cotta Cardozo, em princípio negou a questão de ordem por parte da contribuinte, uma vez que não haveria mais prazo para manifestações nem sustentações de ambas as partes. A conselheira, porém, foi obrigada a enfrentar o tema quando a representante dos contribuintes Patrícia da Silva fez o mesmo pedido.

Maria Helena argumentou que a Lei teria efeitos não no processo administrativo, mas sim em decisões tomadas pelos gestores públicos. “O administrador, não quer, de forma alguma, ficar sujeito a processos administrativos de cobrança sob sua gestão. Não vejo outra aplicação, no Carf, em relação ao secretário-executivo e aos administradores. Em momento algum eu posso imaginar que isso se aplique ao legislador e à legislação judicante”, afirmou a presidente.

O representante da Fazenda Pedro Paulo Pereira Barbosa foi ainda mais incisivo: “A impressão que me dá é que o patrono, ao apresentar este documento, não demonstra nenhum apreço pela inteligência do colegiado”, comentou. “Estou constrangido de discutir o óbvio no plenário”.

A conselheira Elaine Cristina Monteiro e Silva Vieira afirmou que tem se visto um “oportunismo legislativo” no uso da LINDB nestes casos. “O artigo, lido de maneira isolada, pode até dar essa aplicação [pretendida pelo contribuinte], mas na leitura do contexto não se aplica em nenhuma situação”.

Satisfeitos com debate
Entre os representantes dos contribuintes, o entendimento foi que, mesmo que a interpretação não seja pela mudança de entendimento, o debate sobre a LINDB deve ser fomentado. “É importante este debate”, argumentou a conselheira Patrícia da Silva. “Não sei se vamos conseguir lograr bom êxito nesse momento, mas é um bom início de argumentação”.

Outra a defender o conhecimento do dispositivo no caso, Ana Paula Fernandes lembrou que outras Leis, como a nº 9.784/99, também geram debate e desconfiança no início. “É normal que ele [o patrono] queira trazer, e eu entendo, pois esse é o papel do advogado – e acho que está condizente com o estatuto do advogado, que é lei federal”, contemporizou a conselheira. “Entendo estas angústias, mas entendo a relatora por receber e já ir aplicando”.

O apoio ao pedido do contribuinte, entretanto, não foi unânime. “Não consigo ver a aplicação [da LINDB] a fatos geradores quando não haviam debates sobre esta ação”, argumentou a conselheira Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri – a única entre os contribuintes a não conhecer da aplicação.

Por cinco votos a três, a preliminar não foi conhecida. No mérito da questão, pelo voto de qualidade, a turma entendeu que o contribuinte deve reter impostos sobre toda a receita que transitou pela conta. Foram vencidas as conselheiras dos contribuintes Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri, Patrícia da Silva, Ana Cecília Lustosa da Cruz e Ana Paula Fernandes, para quem a base de cálculo do imposto devido deveria atingir apenas os valores retidos pelo contribuinte a título de comissão.

Relembre o caso
A 2ª Turma da Câmara Superior do tribunal administrativo analisou uma cobrança fiscal lavrada contra o operador financeiro Hélio Laniado, investigado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Banestado, instalada em 2003 para apurar a evasão de divisas por meio do banco. A primeira análise, em 24 de maio, acabou suspensa por pedido de vista da conselheira Ana Cecília Lustosa da Cruz.

A Receita Federal tributou valores referentes a 2002 e a 2003 que estavam em uma conta no Merchants Bank of New York, atribuída a Laniado e a seu sócio, Elliot Eskinazi. Uma investigação conjunta por parte de autoridades brasileiras e norte-americanas identificou os recursos e, depois, a Receita exigiu o IRPF sobre as divisas. A fiscalização cobrou de cada sócio 50% dos tributos lançados.

De um lado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defendeu que o imposto incide sobre a receita total que entrou na conta. De outro, o contribuinte argumentou que a base de cálculo deveria corresponder apenas ao spread, valor que sobra se retirados os dólares que os operadores movimentavam para terceiros no mercado clandestino de câmbio.

Ainda na sessão de maio, a maioria dos votos foi colhida – quatro conselheiros representantes da Fazenda Nacional entendendo que o IRPF deveria ser cobrado sobre o valor cheio, e três julgadores que representam os contribuintes considerando que a tributação incide sobre o spread. Com o voto favorável ao contribuinte de Ana Cecília e o desempate da presidente Maria Cecília, o processo administrativo foi encerrado pela turma.

Processo citado na matéria: 19515.003515/2007-74

GUILHERME MENDES

Fonte: Jota.info/

Nenhum comentário:

Postar um comentário