sexta-feira, 28 de julho de 2017

A desnecessidade de garantia integral para oposição de embargos à execução fiscal

O processo de execução fiscal tem como objetivo a satisfação do crédito tributário, de modo que o rito processual é mais favorável ao Fisco. Isso fica claro quando o único instrumento necessário a propositura da ação é a certidão de dívida ativa, produzida pela própria fazenda exequente e que goza de presunção relativa de liquidez e certeza, sendo dispensada qualquer outra prova quanto à existência e exigibilidade do crédito.

A defesa, por sua vez, é essencialmente exercida por meio de embargos à execução, ação constitutiva negativa, que tem como objetivo principal desconstituir o crédito executado. Ocorre, que mesmo para o exercício do contraditório, garantia fundamental, a lei nº 6.830/80 exige a garantia do juízo, sem a qual não cabem embargos à execução.

A Constituição Federal garante, em seu art. 5º, XXXV, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, bem como as garantias do contraditório e ampla defesa no mesmo dispositivo, em seu inciso LV.

Tais princípios são corolários de uma Constituição democrática, cidadã e garantidora do mínimo existencial.

Com isso, nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direitos deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário. Tal posicionamento tem sido interpretado de forma bastante extensiva, que fica claro com a edição das súmulas vinculantes 21 e 28 do STF que determinam que a exigência prévia do depósito garantidor é inconstitucional, seja para discussões administrativas, seja para discussões judiciais envolvendo o crédito tributário.

Tal posicionamento se firmou, sendo interpretado conforme a Constituição, o art. 38 da Lei de Execuções Fiscais, que prevê o depósito como garantia necessária para o prosseguimento da ação anulatória do crédito tributário.

Desde o vetusto Tribunal Federal de Recursos, a exigência de depósito já havia caído por terra, conforme posicionamento consolidado com a edição da sumula 247.

Como se pode ver, a exigência de garantia que viole o exercício do contraditório e da ampla defesa merece ser rechaçada pelo Poder Judiciário, pois viola princípios fundamentais do ordenamento jurídico pátrio.

No tocante aos embargos à execução fiscal, o art. 16, parágrafo 1º da lei nº 6.830/80, não são admissíveis embargos do executado antes de garantido o juízo.

Todavia, no parágrafo segundo, fica claro que toda a matéria de defesa deve ser alegada nos embargos. Ora, uma vez que a concentração da defesa do executado é nos embargos à execução, a exigência de depósito ou qualquer tipo de garantia para aquele comprovadamente hipossuficiente viola o contraditório e a ampla defesa. Com isso, não cabe em nosso ordenamento jurídico a restrição do direito de defesa.

A jurisprudência tem evoluído no sentido de que mesmo sendo parcial a penhora é cabível o processamento e julgamento dos embargos à execução, como forma de proteção ao contraditório e ampla defesa.

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECEBIMENTO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL COM PENHORA INSUFICIENTE. ARTIGO 16, § 1º, DA LEI N 6.830/80. – A lei de execuções fiscais estabelece como condição de admissibilidade dos embargos de devedor a segurança do juízo por meio da penhora sem a exigência de que o valor dos bens constritos seja maior ou igual ao débito exequendo.- Agravo de instrumento improvido. (TRF 4ª Região – AG 23935 PR 2004.04.01.023935-7 – DJ 29/09/2004 PÁGINA: 580)

Há decisões que vão além. São aquelas hipóteses em que fora realizada a garantia parcial e o devedor não dispõe de outros bens para garantia integral do juízo. Nesse sentido, cabem os embargos do executado, mesmo com a garantia parcial.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA INSUFICIENTE. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE OUTROS BENS OU VALORES DE PROPRIEDADE DA EMBARGANTE. A penhora parcial do valor executado não impede o recebimento dos embargos à execução, mormente quando inexistente prova da existência de outros bens passíveis de penhora, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa em caso de insuficiência da condição financeira para garantia do juízo. Ademais, a Lei de Execuções Fiscais prevê, no inciso II de seu art. 15, a possibilidade de reforço da penhora insuficiente, em qualquer fase do processo. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70067976100, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 21/01/2016).

Frise-se que mesmo que o contribuinte executado não tenha bens para reforçar a penhora, a comprovação inequívoca de tal fato garante o direito a oposição de embargos à execução, como forma de garantir o acesso ao Poder Judiciário e o exercício do contraditório e ampla defesa.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA INSUFICIENTE. VALOR ÍNFIMO. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DOS EMBARGOS. – A penhora parcial do valor executado, via de regra, não impede o recebimento dos embargos à execução, quando existente prova da insuficiência financeira e de outros bens passíveis de penhora. É inaceitável, no entanto, o recebimento dos embargos quando a penhora recai sobre valor ínfimo, porquanto não configura segurança do juízo. – “Conquanto a insuficiência patrimonial do devedor seja justificativa plausível à apreciação dos embargos à execução sem que o executado proceda ao reforço da penhora, deve ser a mesma comprovada inequivocamente” (REsp 1.127.815/SP, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC), situação que não encontra amparo nos autos. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70064483746, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 27/04/2015).

Como se pode ver, as garantias fundamentais do contraditório e ampla defesa não podem ser mitigadas pela busca por maior arrecadação por parte do Estado. O direito de defesa deve ser protegido pelo Judiciário, sob pena do Estado arrecadatório substituir o Estado de Direito, cabendo os embargos à execução como instrumento de defesa processual ainda que não tenha ocorrido a garantia integral, desde que comprovada a hipossuficiência do executado.

por Gabriel Quintanilha
Advogado no Rio de Janeiro. Mestre em Economia e Gestão Empresarial, Pós graduado em Direito Público e Tributário. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Sócio Fundador da Sociedade Brasileira de Direito Tributário – SBDT. Professor de cursos de graduação, pós-graduação e preparatórios. Autor de livros e artigos.

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