quinta-feira, 23 de outubro de 2014

23/10 Legislação não homogênea sobre PIS e Cofins agrava insegurança jurídica

Em 29 de setembro passado, na linha dos trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, recebemos o professor Luís Eduardo Schoueri[1] para debatermos o tema Rumos da tributação sobre o consumo federal – impostos que são anticompetitivos e como devem ser reformados para mitigar o declínio industrial brasileiro. Professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo e advogado, Schoueri trouxe valiosas reflexões sobre os regimes de tributação do PIS/Cofins ao ressaltar os efeitos negativos da atual sistemática de tributação, especialmente os problemas decorrentes da não-cumulatividade e respectivo enquadramento, bem como da legitimidade do direito creditório atrelado ao conceito de insumo.

Schoueri iniciou sua exposição traçando a retrospectiva histórica desde 1970 quando o então ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto criou o PIS para assegurar a participação dos trabalhadores no lucro das empresas. A Cofins foi criada posteriormente como sucessora do Finsocial, instituído em 1982 para o financiamento de projetos de caráter social. Somente com o advento da Lei 9.718/98 é que essas contribuições se tornaram inseparáveis.

Desde então, foram inúmeras as modificações pontuais introduzidas no regime jurídico desses tributos. A primeira delas foi a instituição do regime não-cumulativo, criado com o advento das Leis 10.632/02 e 10.833/03. A previsão desse regime foi fruto de demandas da classe empresária, sob o argumento de que o regime cumulativo ocasionava a “verticalização” do processo produtivo[2].

Hoje podemos considerar que as contribuições ao PIS e a Cofins contam com quatro regimes distintos de tributação: o regime plurifásico cumulativo, segundo o qual tributa-se cada etapa da cadeia, seja produtiva ou comercial; o plurifásico não cumulativo, em que tributa-se cada etapa, mas resguarda-se o direito creditório; o monofásico no consumo, incidente apenas na etapa final da circulação da mercadoria; e o monofásico na produção, no qual o industrial recolhe os tributos para toda a cadeia[3].

Dessa diversidade de regimes emerge a complexidade e a falta de sistematicidade da regulamentação dessas contribuições. Há falta de clareza sobre: a aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade; os contribuintes elegíveis ao enquadramento na referida sistemática; a abrangência do conceito de insumos para fins de creditamento; a natureza jurídica do direito creditório, se créditos físicos ou financeiros; e a possibilidade das atividades comerciais gerarem direito de crédito sob esta rubrica.

Especificamente no que tange à não cumulatividade dessas contribuições, Schoueri apontou que o problema está no processo legislativo que, ao invés de instituir um modelo “base a base”[4] íntegro e uniforme, cria inúmeros subterfúgios para favorecer determinados setores que se beneficiam dessa heterogeneidade sistêmica.

Alguns setores têm justificativa lógica para se manterem na sistemática cumulativa, como é o caso das empresas optantes pelo lucro presumido. Contudo, a complexidade em se enxergar os contribuintes sujeitos ou não à sistemática não-cumulativa evidencia a notória falta de critério na inclusão dos segmentos econômicos e a falta de amparo constitucional que justifique as distinções criadas.

A par da inobservância do princípio constitucional da igualdade, outro aspecto polêmico reside na dificuldade de conceituar insumo e definir sua natureza jurídica. Segundo Schoueri, a sistemática de creditamento do PIS e da Cofins não está relacionada ao conceito de crédito físico utilizado no IPI, mas sim ao conceito de crédito financeiro, na linha do que ocorre com o ICMS[5].

Isto porque, como essas contribuições incidem sobre o faturamento da venda de mercadorias e da prestação de serviços, é razoável considerar como crédito tudo aquilo que compõe o custo do produto e não apenas aquilo que o integra fisicamente. Deveriam ser considerados insumos todos os gastos necessários para a produção de determinado bem, sem os quais não seria produzido daquele modo. No entanto, a legislação não é objetiva e a jurisprudência altamente divergente.

A questão nos parece assumir ainda maior complexidade quando olhamos para as atividades comerciais. A legislação novamente não elucida a temática, tampouco traz qualquer vedação. Portanto, é natural concluir, seguindo inclusive o raciocínio do crédito financeiro, que este ramo poderia valer-se do direito creditório. Novamente, a jurisprudência vem apresentando resistência. 

Bernard Appy[6] propõe unificar os regimes cumulativo e não cumulativo em um único regime de incidência não cumulativa, com a adoção do conceito de crédito financeiro. Tal medida poderia simplificar substancialmente a sistemática dessas contribuições e reduziria seu grau de litigiosidade.

Do exposto, concluímos que as contribuições ao PIS e a Cofins em seu formato atual são fonte de inúmeros problemas que afetam o sistema tributário brasileiro. Verificamos, em consonância com o exposto por Schoueri, verdadeiro “casuísmo” e patente impossibilidade de se socorrer da interpretação teleológica na busca do regime jurídico aplicável a esses tributos. A ineficiência legislativa em regulamentar de forma homogênea o assunto apenas agrava a insegurança jurídica, faz crescer o contencioso tributário e inviabiliza a criação de um ambiente de negócios propício ao desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

[1] Professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo. Sócio do escritório de advocacia Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri.

[2] A verticalização do processo produtivo traduz-se num sistema que premia apenas os maiores industriais e comerciantes que conseguem diminuir o número de etapas da cadeia produtiva até o consumidor final. Não necessariamente para o mesmo produto terei as mesmas etapas e, consequentemente, a mesma tributação. A redução de etapas repercute diretamente na diminuição da carga tributária e viabiliza preços mais competitivos no mercado.

[3] Regra geral, as pessoas jurídicas optantes pelo lucro real (apuração do IRPJ e CSLL) estão incluídas na sistemática não-cumulativa de apuração do PIS e da COFINS, enquanto as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro presumido ficam sujeitas à cumulatividade. Excepcionalmente, a legislação enumera determinadas receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, ainda que tributadas pelo IRPJ com base no lucro real, que continuam sujeitas às normas do PIS e da COFINS cumulativos.

[4] Diferente do que ocorre na sistemática não cumulativa do ICMS (tributação crédito a crédito), a tributação base a base considera o valor agregado em cada etapa, sendo irrelevante o quanto foi recolhido na etapa anterior. A crítica que se faz ao modelo crédito a crédito (compensa-se o que é devido em cada operação com o montante pago na operação anterior) é que o mesmo gera distorções no caso de isenções ou reduções no meio da cadeia.

[5] Embora o ICMS tenha adote a sistemática de creditamento por etapa atrelada ao conceito de crédito financeiro cumpre ressaltar que há discussão acerca dos insumos que geram crédito no âmbito da atividade industrial.

[6] Ver: http://goo.gl/4Cg0wT.

por Laura Romano Campedelli é pesquisadora Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/ FGV Direito SP).

     Gisele Barra Bossa é advogada, pesquisadora Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/ FGV Direito SP). Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

     Ana Teresa Lima Rosa é advogada, mestre em Direito pela Universidade da Califórnia – Berkeley. Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/FGV Direito SP).

Fonte: Conjur

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