sábado, 17 de dezembro de 2016

A receita bruta para PIS/COFINS após a Lei nº 12.973/2014

A Lei nº 12.973/2014 já está em vigor há quase dois anos e o conceito de receita bruta que ela estabelece ainda gera controvérsias. Segundo a nova redação conferida do artigo 12 do Decreto-lei nº 1.598/1977, a receita bruta abrange (i) o produto da venda de bens e o preço da prestação de serviços, (ii) o resultado nas operações de conta alheia; e (iii) as receitas da atividade ou objeto principal da empresa.

O contexto no qual a lei foi publicada é conhecido: em 2005, ao analisar a constitucionalidade da Lei nº 9.718/1998 à luz da EC nº 20/1998, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o conceito de faturamento para PIS/COFINS estaria limitado à receita auferida com o produto de vendas de mercadorias e prestações de serviços. Contudo, como é sabido, a orientação do Supremo suscitou ainda mais problemas. Como ficariam as instituições financeiras e seguradoras, que não realizam o ato de faturar, e mesmo as empresas de novas tecnologias, que não se enquadram como produtoras de bens nem como prestadoras de serviços?

A Lei nº 12.973/2014 parecia encaminhar uma resposta a essas questões, na medida em que definiu receita bruta como, dentre outras, “as receitas da atividade ou objeto principal da empresa”. Contudo, ao invés de solução, a definição traz ainda mais problemas.

Devido à má técnica legislativa, seria legítimo indagar: receita bruta inclui o resultado de qualquer atividade e o resultado do objeto principal; ou o adjetivo “principal” se refere tanto à atividade como ao objeto, de modo que receita bruta abrangeria o resultado da atividade principal ou do objeto principal?

Se o legislador tivesse optado pela primeira interpretação, seria evidentemente desnecessário introduzir o conceito de atividade e objeto, pois se a receita abrangesse o resultado de toda e qualquer atividade, automaticamente envolveria o resultado do objeto principal. Isso nos faz crer que o legislador quis se referir à segunda interpretação: receita como resultado da atividade principal ou objeto principal. Mas, se assim é, qual seria a diferença entre atividade principal e objeto principal?

Uma resposta possível seria considerar que o legislador quis ser conservador e incluir atividade principal para evitar que a receita somente abrangesse o resultado do objeto social das empresas, que pode não refletir a sua realidade. Pretendeu, portanto, evitar uma análise formal do objeto de cada empresa. Contudo, se fosse essa mesmo a intenção, seria até mais prudente ter excluído o objeto principal e simplesmente ter deixado o vocábulo atividade principal da empresa.

As manifestações da Receita Federal do Brasil (RFB) vão nesse exato sentido, confirmando a segunda interpretação descrita acima. Na manifestação mais recente, qual seja, a Solução de Consulta DISIT/SRRF04 nº 4032, de novembro de 2016, a RFB apontou que a receita tributável é aquela que decorre da atividade exercida prevista no seu ato constitutivo (objeto social) ou aquela que, na prática, “seja habitualmente desenvolvida, no contexto de sua organização de meios, ainda que não contemplada de forma expressa no seu instrumento de constituição”. No caso envolvido, a empresa realizava o desenvolvimento de programas de computador e a RFB afastou a incidência das contribuições sobre as receitas financeiras auferidas em aplicações financeiras.

Na mesma linha segue a Solução de Consulta DISIT/SRRF04 nº 4005, de maio de 2016, na qual a RFB destacou que o conceito se refere às “receitas decorrentes da atividade típica da empresa, correspondente ao seu objeto social, ou efetivamente verificada em seu cotidiano, quando esta se afaste dos objetivos expressos em seu ato constitutivo”. No caso específico, a RFB afastou a incidência de PIS/COFINS sobre receitas financeiras auferidas por empresa dedicada a atividades de contabilidade por entender que sua atividade ou objeto principal não tinha relação com as aplicações e investimentos financeiros realizados.

Ainda, na Solução de Consulta COSIT nº 84, de junho de 2016, a RFB se posicionou no sentido de que a receita bruta abrange “as receitas oriundas do exercício de todas as atividades empresariais da pessoa jurídica”. Nesse caso, a Receita entendeu ser necessário identificar o objeto social sob o “ângulo substancial”, para que o PIS/COFINS incida sobre os resultados da efetiva atividade desenvolvida. No caso, manteve a tributação sobre receitas de Juros sobre Capital Próprio (JCP) auferidas por empresa que tinha como objeto a participação em outras sociedades (holding).

Assim, é possível extrair das manifestações da RFB que o conceito de atividade ou objeto principal, para fins de PIS/COFINS, refere-se à (i) atividade prevista no objeto social; (ii) atividade empresarial / atividade típica da empresa; e (iii) atividade habitualmente desenvolvida / desenvolvida no cotidiano da empresa. Qualquer resultado positivo decorrente dessas atividades estará sujeito à tributação.

Mas há certo grau de subjetivismo nos parâmetros impostos pela RFB, especialmente nos casos que se encontram na chamada “zona cinzenta”: e se a empresa desenvolver mais de uma atividade, qual seria sua atividade efetivamente típica, sendo ambas desenvolvidas habitualmente? Aquela que for mais representativa em termos de recursos financeiros? E se uma atividade representar 30% e outra 70% do total da sua receita auferida? Não seriam ambas relevantes e igualmente desenvolvidas no seu cotidiano? É o caso, por exemplo, de uma empresa que realiza a venda de bens e oferece serviços relacionados à manutenção desses bens. Ou de uma empresa que loca máquinas e equipamentos e as vende posteriormente aos clientes ou terceiros. Ou será que atividade ou objeto “principal” deveria ser interpretado como aquilo que identifica a essência, o core business da empresa? A empresa se posiciona no mercado de que forma? Como produtora de bens ou prestadora de serviços? Locadora ou vendedora de equipamentos?

A análise de cada caso concreto, com as suas peculiaridades, parece absolutamente essencial, mas não é possível escapar por completo da insegurança trazida pela própria redação imprecisa da norma e pelo subjetivismo a ela inerente. Na prática, essa incerteza trazida pela norma tende a gerar mais disputas entre contribuintes e Fisco, aumentando a litigiosidade em matéria tributária. Infelizmente, trata-se de mais uma norma que, ao invés de esclarecer e resolver problemas, e contribuir para um sistema tributário mais estável, cria uma fonte de longas e complicadas discussões, em prejuízo do próprio erário.

Para trazer mais segurança jurídica, sem prejuízo da análise de casos muito específicos por meio de Soluções de Consulta, seria imprescindível que a RFB editasse normas mais claras e precisas regulamentando a aplicação desse conceito para efetivamente orientar os contribuintes.

por Mariana Monte Alegre de Paiva - Advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados. Mestranda e membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado da FGV Direito SP.

Fonte: Jota

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