terça-feira, 10 de janeiro de 2012

10/01 O ISS é a melhor forma errada de cobrar dívidas


Uma das primeiras razões que justificaram a criação da sociedade politicamente organizada foi a necessidade de normatizar a distribuição da justiça. Nós concordamos em pagar impostos para termos uma organização política eficiente e principalmente justa. Com isso pagamos os servidores públicos encarregados de arrecadar e administrar esses recursos, com os quais nos são garantidos os meios necessários para obter o bem comum: justiça, segurança, saúde, educação, infra-estrutura, etc. inclusive o funcionamento dos poderes constituídos. 
Pode o cidadão dispensar alguns desses serviços (saúde e educação, por exemplo) pelos quais possa pagar, mas fica obrigado ao pagamento dos impostos para suprir as necessidades dos carentes. Não existe, num Estado democrático de direito, a possibilidade de se fazer justiça pelas próprias mãos.
Se estamos preocupados com a JUSTIÇA TRIBUTÁRIA, devemos repelir a afirmação atribuída ao Secretário de Finanças do município de São Paulo segundo a qual para o contribuinte do ISS que tiver bloqueada a emissão de nota fiscal por ser devedor do tributo será mais econômico pagar o que deve do que discutir judicialmente a questão, que seria uma “causa perdida”.
Não há indícios de que o mencionado servidor público seja profeta. Assim, se a discussão for mesmo uma “causa perdida”, a profecia não apenas aponta o futuro, mas ignora um enorme passado.
Em nossa coluna de duas semanas atrás (26/12/2011) mencionamos as duas súmulas e algumas decisões do STF isoladas no mesmo sentido: não se pode impedir o devedor de tributos de trabalhar.
Parece que há um desencontro entre a forma de agir desse servidor e do seu chefe, o prefeito. A maior autoridade municipal preocupa-se em incentivar obras, projetos e atividades diversas com redução ou isenção de tributos e até mesmo com a liberação de alvarás de forma menos burocrática. Mas o seu subordinado aparentemente tem preferência a ações contra os que trabalham.
Se o contribuinte não paga o imposto, pode e deve ser acionado, processado e ter bens penhorados ou até mesmo contas bancárias confiscadas. Mas tudo isso através do Poder Judiciário. O Poder Judiciário é demorado, o que tem facilitado mais a vida do município, que é um dos  maiores caloteiros do país em relação à sua divida com precatórios, desapropriações e até mesmo dívidas trabalhistas.
O bloqueio das atividades de um contribuinte é uma violência inominável. Existem famílias que não poderão pagar suas contas neste mês, porque o seu chefe não pode emitir a nota fiscal dos serviços prestados em dezembro.
Por conta disso já existe caso de uma pequena prestadora de serviços que além de não conseguir receber o faturamento, teve rescindido o contrato com seu principal cliente em razão desse fato. Registre-se, aliás, que o tributo é cobrado mesmo que o tomador dos serviços não os pague. É alguém que paga para trabalhar.
A ação ilegal praticada por servidores públicos deve ser combatida. Justiça não é uma mercadoria que possa ser avaliada pelas custas judiciais ou honorários de advogado. Não existe um balcão onde a justiça seja colocada na balança e vendida por quilo.
Servidores medíocres costumam invocar uma suposta indústria de liminares. Mas a única indústria que conhecemos neste caso é a de atos administrativos inconstitucionais ou mesmo leis mal feitas, elaboradas por verdadeiros analfabetos jurídicos que nunca leram a Constituição e jamais ouviram falar em súmulas.
Não pode o servidor público e nem mesmo o chefe do Executivo dizer que determinada causa é perdida. Isso é falta de respeito com a Justiça e ao mesmo tempo é imaginar-se o falastrão o dono da verdade. Vale aqui invocar a lição do padre Antônio Vieira, citada pelo ex-presidentedo STJ, Edson Vidigal: "Quem serve ao Estado serve ao público em geral. Ninguém dentre nós, no serviço público, é inimigo de ninguém. Bastam os inimigos do Povo, só por isso, também, nossos inimigos. Contra eles é que devemos estar fortes em nossa união. O Padre Antonio Vieira dizia que os sacerdotes são empregados de Deus. Assim, da mesma forma, o dinheiro que paga o salário do Presidente da República e dos seus Ministros, dos Deputados e dos Senadores, dos Ministros dos Tribunais é o mesmo que paga o salário de todos os outros servidores, do porteiro ao assessor mais graduado, do cabo ao general. Esse dinheiro vem de um único patrão para o qual trabalhamos, do qual somos empregados. Esse patrão é o contribuinte que paga impostos. Somos empregados do Povo brasileiro." ( EDSON VIDIGAL, Presidente do STJ)
Essa atuação policialesca do servidor público não pode ser aceita. Já é tempo de serem processados não só a Fazenda, mas todos os servidores que, no exercício do cargo, venham a atribuir a outrem a prática de crimes. Se um fiscal afirmar , por exemplo, que alguém é sonegador, estará cometendo o crime de calúnia se não tiver o ofendido sido condenado por decisão definitiva pelo crime que lhe é atribuído.
Já há precedentes nesse sentido. Num deles, por exemplo, o município de São Paulo foi condenado a indenizar um contribuinte por danos morais, por tê-lo incluído no Cadin , essa porcaria ditatorial que administradores medíocres criaram para chantagear o devedor. Na ConJur (16/5/2011)demos ainformação do processo movido pelo professor Goffredo da Silva Telles Jr. a respeito.
Eis aí o grande problema. O servidor (no caso não concursado) inventa ou pratica um ato qualquer, o poder público é condenado a indenizar a vítima. O servidor deve ressarcir os cofres públicos.
Também é importante assinalar que a prefeitura de São Paulo é a que mais arrecada ISS no Brasil e a arrecadação vem crescendo ano a ano acima da inflação, pois esta é hoje uma cidade mais de prestação de serviços que industrial.
Portanto, em lugar de tentar adivinhar o futuro das ações judiciais e anular a tradição da jurisprudência (incluídas 2 súmulas do STF), deveria o secretário das finanças paulistano revogar aquele ato imediatamente por sua evidente nulidade jurídica. Todos nós erramos e é preciso que reconheçamos nossos erros. Principalmente quando ele pode trazer conseqüências danosas para os cofres públicos.
por Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: Conjur

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