quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Reconhecimento Contábil de Receitas e posição da Receita

Ontem (07/11) foi realizado o XIV Seminário Internacional do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, fórum em que se discutem as relevantes normas em entrarão em vigor e a agenda para discussão e produção de normas futuras a serem emitidas no âmbito do International Financial Reporting Standards (IFRS). O último Painel tratou do IFRS 15[1], norma editada para orientar o reconhecimento de receitas. No Brasil, essa norma foi incorporada pelo Pronunciamento CPC nº 47 (CPC 47).

A apresentação do Painel ficou a cargo de representantes da Secretaria da Receita Federal, que se dispôs a debater a minuta de norma colocada em audiência pública em 13 de setembro (Minuta). No texto do mês passado fizemos breves comentários sobre a Minuta, colocando que:

  • Deveria ser resolvido “limbo tributário” entre o CPC 30 e o CPC 47;
  • Poderia ser revisada a necessidade de afirmação do conceito de receita bruta para fins tributários; e
  • Deveria ficar claro qual era o ajuste a ser feito, considerando que praticamente toda a norma contábil nova (CPC 47) estava contida na norma contábil anterior (Pronunciamento CPC nº 30).

O primeiro ponto não foi diretamente abordado. O que foi dito é que a Receita Federal entende que o CPC 47 é uma nova norma. A contrario sensu, portanto, o CPC 30 seria uma norma antiga, diferente do CPC 47, e queria teria sido tratada ou propositadamente ignorada pela Lei nº 12.973, de 2014 (Lei 12.973). Isso quer dizer que, de acordo com o art. 58 da Lei 12.973, os temas do CPC 30 que não tiveram tratamento especificado pela legislação tributária teriam identidade entre tratamento contábil e tributário. Isso é um grande problema, pois há impactos tributários, decorrentes do CPC 30, que são muito relevantes e não foram neutralizados pela Lei 12.973[2].

Aparentemente, a Receita Federal está ignorando este fato, mas divergências interpretativas dentro do próprio órgão e entre o contribuinte e o Fisco formam um cenário de grande insegurança jurídica. Muito provavelmente esse silêncio decorre do fato de que o CPC 30 não era claro na maioria de suas disposições, tornando aparentemente desnecessária a regulação tributária. Contudo, existem muitas divergências em relação ao que estava contido e o que não estava contido no CPC 30, de modo que, a depender da premissa do intérprete, o efeito fiscal é modificado e nada se tem disposto sobre ele.

Por exemplo: no CPC 30 já existia a obrigatoriedade de segregação das obrigações de desempenho e, portanto, a receita deveria ser reconhecida em momentos distintos, conforme as obrigações fossem sendo cumpridas. A venda de um bem com a obrigação de manutenção por um ano, por exemplo, obrigava o vendedor a reconhecer parte da receita no momento da venda do bem e as demais parcelas ao longo da prestação dos serviços de manutenção (isso continua assim no CPC 47).

Para o contribuinte (ou o Fiscal) que extraiu isso do CPC 30, o momento do reconhecimento da receita afetou o pagamento dos tributos sobre o lucro e a receita (e poderia ter afetado mesmo, já que isso não foi neutralizado pela Lei 12.973). Para o contribuinte (ou o Fiscal) que não extraiu isso do CPC 30, a receita continuou sendo (equivocadamente) reconhecida no momento da venda, em sua integralidade, não afetando o pagamento dos tributos. Não se pode descartar, ainda, a possibilidade de o contribuinte ter adotado uma mistura de interpretações, reconhecendo a receita em momentos distintos de acordo com sua interpretação do CPC 30, mas oferecendo à tributação no momento da venda. Está dada a largada da corrida do contencioso.

O segundo ponto, ou seja, a questão da inclusão dos tributos sobre venda no conceito de receita bruta não foi levada a debate, mantendo-se em nível jurisprudencial.

Quanto aos ajustes (terceiro ponto) o entendimento é o de que o critério contábil anterior é o critério do CPC 30 acoplado às disposições da legislação tributária. Ou seja, para se chegar ao ajuste o contribuinte tem que adequar a interpretação do CPC 30 (que continua podendo ser divergente) à legislação do IRPJ, da CSLL, do PIS, da COFINS, além do Código Tributário Nacional (CTN) e da Constituição Federal. O exemplo utilizado pela Receita Federal para demonstrar esse posicionamento foi o da venda com possibilidade de devolução por parte dos compradores. O critério contábil anterior, segundo ela, remete ao momento da emissão da Nota Fiscal, não importando se de acordo com o CPC 47 somente parte da receita de vendas vai ser reconhecida, pois neste momento (emissão da Nota Fiscal) já haveria disponibilidade jurídica da renda (art. 43 do CTN). Cada item do CPC 47 relacionado na Minuta deve, portanto, ser analisado sob essa ótica para se chegar ao critério contábil anterior e, consequentemente, ao ajuste.

Compartilhamos do sentimento exposto pela Receita Federal no início da sua apresentação, no sentido que esse é um dos temas mais complexos a serem tratados, pois abrange o universo de contribuintes, sendo que a norma contábil contém muitos aspectos subjetivos. Entretanto, o assunto ainda não parece estar maduro o suficiente para ser regulado. Deixar para que o contribuinte interprete qual era o critério contábil anterior (CPC 30) e faça suas ponderações em relação aos fatos geradores (conceito de renda, lucro e receita) não parece ser a melhor solução para o problema, pois cria um cenário de grande insegurança jurídica, estimulando o contencioso e prejudicando a fluidez dos negócios.
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[1] Para mais informações, ver a série de 6 artigos publicada no JOTA, que tinha como objetivo analisar os impactos tributários da nova norma contábil para o reconhecimento de receitas.

[2] Para detalhes sobre os impactos, ver a série de 6 artigos publicada no JOTA.

por Vanessa Rahal Canado – Doutora e mestra em direito tributário pela PUC/SP. Professora da FGV DIREITO SP. Coordenadora do GEDEC – Grupo de Estudos em Direito e Contabilidade Consultora do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). Advogada em São Paulo

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Fonte: Jota

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