quarta-feira, 11 de julho de 2018

Notas para uma Definição do Conceito Científico-Jurídico de "Benefícios Fiscais"

RESUMO: No que tange ao conceito de "benefícios fiscais", não há no direito positivo qualquer enunciado prescritivo que o defina. Tal situação dificulta (talvez não?!) a tarefa da ciência do direito, pois, como é visto, não existe consenso em relação ao tema, onde seu uso é feito muitas vezes sem o devido rigor linguístico. No ordenamento jurídico, e principalmente na Constituição Federal, a expressão "benefícios fiscais" está quase sempre atrelada, em diversos enunciados prescritivos ali dispostos, a outras expressões: "incentivos fiscais" e "isenções".

1 Sobre as Definições, as Confusões e os Juristas

A definição conotacional é sempre estipulativa. As notas características (definiens) do conceito que se busca definir (definiendum) são arbitradas pelo enunciador. Por isso, no campo do "direito", dois tipos podem ser os enunciados definitórios: definições legais (no sistema do direito positivo) e definições científicas (no âmbito da ciência do direito).

No que tange ao conceito de "benefícios fiscais", não há no direito positivo qualquer enunciado prescritivo que o defina. Tal situação dificulta (talvez não?!) a tarefa da ciência do direito, pois, como é visto, não existe consenso (com sói ocorrer entre os juristas) em relação ao tema, onde seu uso é feito muitas vezes sem o devido rigor linguístico.

No ordenamento jurídico e principalmente na Constituição Federal, a expressão "benefícios fiscais" está quase sempre atrelada, em diversos enunciados prescritivos ali dispostos, a outras expressões: "incentivos fiscais" e "isenções".

Além dessas expressões no plano do direito positivo, a doutrina também se utiliza de outros nomes para designar o fenômeno: "desonerações tributárias"1, "exoneração2 tributária", "renúncia fiscal", "desgravações fiscais", "favores fiscais", "privilégios fiscais" e "alívios fiscais"3.

Como "isenções", "benefícios fiscais" e "incentivos fiscais" são os suportes físicos utilizadas pela CF, partir-se-á deles com o objetivo de esclarecer e redefinir o conceito a que se atribuirá o nome de "benefícios fiscais". Quando o sistema do direito positivo emprega as palavras "benefícios" ou "incentivos" em conjunto com a palavra "fiscais", há de se compreender as expressões de maneira equivalente a "benefícios" e "incentivos tributários".

A expressão "fiscal" é o limite entre o direito tributário e os demais ramos cientificamente autônomos do direito. Por exemplo, o vocábulo "benefício" de maneira isolada tornaria vago seu conceito, o que permitiria entende-lo no contexto do sistema jurídico-positivo como "benefício previdenciário", "benefício financeiro", "benefício fiscal", por exemplo.

A visão que se buscará imprimir aqui objetiva-se nas normas tributárias de modo que o objeto eleito é o "benefício fiscal" no contexto do subsistema de direito tributário.

Dessa forma, a definição do conceito se dará em âmbito tributário, e não financeiro, por exemplo. Isso não obsta que se construam outros sentidos para a expressão "benefícios fiscais" nas demais áreas do conhecimento.

Conforme leciona Fernando Gomes Favacho4, "não há uma mesma realidade jurídica para os diferentes subsistemas jurídicos: ilustrativamente, 'tributo' pode ter uma significação para o Direito Tributário, e outra bem diferente para o Direito Financeiro".

Outro ponto importante é o de que o estudo dos "benefícios fiscais" tangencia aquele dos "benefícios financeiros", cujos efeitos jurídicos se distinguem, na medida em que são submetidos a outro regime jurídico.

Os benefícios financeiros relacionam-se com o direito financeiro, ou seja, os gastos públicos. Após a percussão tributária e o pagamento do tributo, encerra-se o direito tributário como objeto de estudo ainda que consideremos o direito uno e indecomponível.

Gilson Pacheco Bomfim5 destaca que o que diferencia a desoneração tributária dos benefícios e incentivos financeiros é que, nesses últimos, a principal característica é a criação de despesa direta de recursos para o Estado.

Conclui que, "enquanto as desonerações tributárias envolvem o não ingresso de receitas (por exemplo, com uma isenção), os benefícios ou incentivos financeiros envolvem a criação de uma despesa direta (por exemplo, com uma subvenção)"6.

Paulo de Barros Carvalho7 afirma ser penosa a missão de limitar a área que interessa ao estudo do direito tributário. Define o direito tributário como sendo: "o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Compete à ciência do direito tributário descrever esse objeto, expedindo proposições declarativas que nos permitam conhecer as articulações lógicas e o conteúdo orgânico desse núcleo normativo, dentro de uma concepção unitária do sistema jurídico vigente".

Assim, não se pode confundir, apesar da imprecisão terminológica existente, "incentivos" e "benefícios fiscais" no direito tributário com "incentivos" e "benefícios fiscais" no direito financeiro, na economia, na contabilidade, etc. As perspectivas para se enxergar o objeto são diferentes, de maneira que se criam realidades diferentes.

Pois bem. Como já dito, o exame das expressões deve ser analisado na CF/88 e na legislação infraconstitucional. Em primeiro plano, é de se deixar consignado que a Carta Magna não estabelece uma definição legal do conceito de isenções, benefícios fiscais e incentivos fiscais. Ao longo do texto constitucional, são estabelecidos regramentos onde os termos "isenções", "benefícios" e "incentivos" são apontados de forma esparsa, v.g., arts. 43, 150, 151, 155, 156, 165, 179, 227, bem como arts. 40, 41, 43 e 88 do ADCT. Infere-se da análise dos enunciados da CF/88 que a expressão "incentivos fiscais" é a mais utilizada pelo legislador, todavia, parece que o constituinte tratou de "bene fícios fiscais", "incentivos fiscais" e "isenções" como estímulos, em termos jurídicos, assemelhados.

Exemplo disso pode ser encontrado no art. 155, XII, alínea g8, supracitado, em que as expressões são apontadas de forma genérica. O mesmo ocorre no art. 156, § 3º, III9.

José Eduardo Soares Melo10, a quem homenageamos nesse artigo, leciona no mesmo sentido e afirma que "incentivos fiscais" e "benefícios fiscais" são expressões polissêmicas, todavia apresentam natureza assemelhada. Seriam meios de conceder vantagens ou estímulos a certos contribuintes ou à coletividade, utilizados sem rigor terminológico, não obstante possam gerar reflexos distintos de natureza econômica, financeira ou social.

Muito embora seja possível elaborar uma definição do conceito de "benefícios fiscais" com base nas normas jurídicas construídas por meio da leitura dos enunciados prescritivos insertos na CF, em nenhuma passagem do texto constitucional há elementos claros que diferenciem no subdomínio tributário "benefício fiscal" de "incentivo fiscal" ou mesmo de "isenção". O que há na Constituição são usos denotativos, como se pode ver nos artigos outrora citados.

Com exceção da "isenção", que tem sua matéria tratada nos arts. 176 a 178 do CTN, as leis infraconstitucionais não trazem enunciados prescritivos que permitam ao interprete delinear, em ligeira vista d'olhos, "benefício fiscal" de "incentivo fiscal". Por isso, uma construção interpretativa mais densa será necessária nesse sentido.

A exemplo da CF, a legislação infraconstitucional se utiliza das expressões "incentivo" e "benefício fiscal" de forma conjunta, como se vê nos arts. 14 da LC nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), 44 da Lei nº 9.430/96 (dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências) e 1º da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).

A anfibologia da expressão "incentivo fiscal" foi alvo de percepção de Sílvia Helena Gomes Piva11 em sua tese de doutoramento, cujo título Incentivos Fiscais: Uma visão a Partir do Constructivismo Lógico-Semântico é um bom ponto de partida para o deslinde da quaestio.

Em seu trabalho de tomo, identificaram-se seis sentidos para a expressão: 1) Incentivos fiscais como sinônimo de benefícios fiscais ou privilégios; 2) Incentivos fiscais como gênero; 3) Incentivos fiscais como espécie; 4) Incentivos fiscais como instrumentos redutores da carga tributária; 5) Incentivos fiscais como normas indutoras de comportamento; e 6) Incentivos fiscais como normas sancionatórias premiais.

Veja-se que a ambiguidade atinge fortemente os incentivos fiscais e os benefícios fiscais. Em alguns casos, a expressão é citada com significados diferentes em um mesmo texto sem que o autor tenha o cuidado de delimitar o sentido da expressão em cada frase.

É difícil realizar essa tarefa, mas em um trabalho científico é necessário, na medida em que o destinatário da mensagem deve receber a explicação mais límpida possível e purificada dos vícios de linguagem, sob pena de ser mal compreendido.

Via de regra, a doutrina relaciona mais fortemente benefícios fiscais com incentivos fiscais e, em menor medida, com as isenções. Porém, ao abordarem as três expressões e tentar relacioná-las, estão longe de ser unânimes. Partem de premissas diferentes e enxergam o fenômeno dentro de outros contextos além do tributário, tais como o direito financeiro e a economia.

No caso dos benefícios e incentivos fiscais, os autores que os diferenciam utilizam como critério a contrapartida do contribuinte para a concessão de incentivos fiscais.

As isenções, por sua vez, são mais estudadas de maneira isolada nos trabalhos científicos relacionados ao direito tributário, talvez por ter regramento específico no CTN. Trabalhos proveitosos foram realizados sobre o tema das isenções, mas poucos cotejaram as "isenções" com os "benefícios" e "incentivos fiscais". É mais comum os tributaristas tratarem das isenções e apenas de passagem citarem os benefícios e incentivos fiscais, estes mais comumente utilizados em trabalhos científicos que mesclam direito financeiro e tributário.

2 Enunciado, Enunciação, Enunciado-Enunciado e Enunciação- Enunciada: "Benefícios-Fiscais"

O enunciado é o suporte físico, a palavra escrita ou falada. A construção mental de sentido do enunciado chama-se proposição.

De acordo com Paulo de Barros Carvalho12, enunciado é "um conjunto de fonemas ou grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo sujeito destinatário, no contexto da comunicação".

A enunciação, por sua vez, pertence à ordem dos acontecimentos sociais, sendo que tal procedimento de criação do direito se perde no tempo e no espaço. Somente temos acesso ao produto da enunciação, os enunciados prescritivos. Todavia, se há um produto é porque houve um processo, mesmo que tenha se esvaído no tempo e no espaço.

Esse produto deixa marcas chamadas de fatos enunciativos ou dêiticos da enunciação, os quais permitem construir o evento da enunciação.

Nesse conjunto de enunciados (documento normativo), distinguem-se duas espécies de enunciados: os enunciados-enunciados, compostos dos dispositivos legais, tais como artigos, parágrafos, incisos e alíneas; e a enunciação-enunciada, composta pelos fatos enunciativos que nos remetem à instância da enunciação normativa.

O enunciado-enunciado é o produto da enunciação, envolve aquilo que comumente se chama de comando normativo prima facie, a ordem dada ao destinatário, enquanto a enunciação-enunciada é a denominação dada ao conjunto processo, autoridade competente e coordenadas de espaço e tempo em que se deu a produção do documento normativo.

Pois bem. Para nós, benefícios fiscais, incentivos fiscais e isenções são facetas do mesmo fenômeno jurídico-tributário, muito embora possamos estabelecer certas peculiaridades.

Para os lindes deste trabalho, "benefícios fiscais", no amplo sentido, serão os enunciados-enunciados de determinado documento normativo aplicáveis de maneira especial no lugar dos enunciados-enunciados utilizados para construir a regra matriz de incidência tributária - RMIT (norma jurídica geral e abstrata).

Optou-se pela expressão "benefícios fiscais" por ser tradicionalmente a mais genérica. Nesse ponto, a generalidade de uma expressão pode ser útil, pois permite incluir vários conceitos específicos nela. O sentido é amplo para, posteriormente, se diferençar dos benefícios em sentido estrito, expressão cujo conceito é mais preciso e será explicitado adiante.

Frise-se que nossa perspectiva para enxergar o fenômeno se deu de forma mais contundente no plano S1, pela análise dos enunciados prescritivos, muito embora saibamos que o percurso gerador de sentido adentra em todos os planos: S1 (plano dos enunciados), S2 (plano das proposições), S3 (plano das normas jurídicas) e S4 (plano da sistematização)13. A separação dos planos é apenas didática, pois o processo interpretativo é incindível.

A despeito de no plano S3 ser onde se dá a construção da norma jurídica, momento em que as significações são estruturadas deonticamente na forma implicacional, a análise do enunciado-enunciado se dá no plano S1.

3 De Volta ao Sistema do Direito Positivo: o Art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB

Tema pouco abordado pelos juristas diz respeito às denominadas "lei especial" e "lei geral". Muitas vezes dominados pelo vetusto (e falso) adágio de que "lei especial revoga lei geral", os "operadores do direito" são levados a debates estéreis (aliás, ninguém melhor que o jurista para inventar celeumas inúteis).

O tema dos "benefícios fiscais" e seus consectários, visto por esse prisma normativo (da lei especial), pode trazer novos contornos à matéria.

Pois bem. Veja-se o disposto no art. 150, § 6º, da Constituição Federal:

"Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

§ 6º - Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g." (grifos nossos)

Embora o dispositivo contenha palavras desnecessárias (como "só poderá ser concedido mediante lei", como se não existisse o princípio da legalidade), ponto importante a ser notado é o da primazia, em matéria tributária, da especialidade das normas jurídicas (enunciados-enunciados) que concedem "benefícios fiscais em sentido amplo" em relação à norma tributária em sentido estrito (a chamada regra-matriz de incidência tributária).

A exigência de lei específica federal, estadual ou municipal para a concessão dos benefícios fiscais em sentido amplo nos faz concluir, ademais, que tais normas são especiais em relação à norma geral do tributo, no sentido dado pelo art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB:

Art. 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

(...)

§ 2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior."

De acordo com o artigo da LINDB, havendo uma lei (enunciado-enunciado) nova modificando disposições gerais ou especiais existentes, essa lei não é responsável por revogar ou modificar a anterior, logo, ambas são válidas no sistema e passíveis de aplicação.

Todavia, a norma especial (construída de um enunciado-enunciado especial) tem preferência quanto à aplicação em relação à norma geral para os casos por ela tratados, justamente por disciplinar casos específicos.

No mesmo sentido, leciona Pontes de Miranda14 que a "a regra jurídica de isenção é de direito excepcional, que põe fora do alcance da lei a pessoa (isenção subjetiva) ou o bem (isenção objetiva) que - sem essa regra jurídica - estaria atingido".

Transportando o entendimento acima para a seara do nosso estudo, a norma jurídica enunciação-enunciada que veicula enunciados-enunciados instituidores de benefícios fiscais em sentido amplo tem preferência de aplicação em relação aos enunciados-enunciados constituidores da norma tributária geral e abstrata.

Lucas Galvão de Britto15 afirma que dispositivos como o art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro são responsáveis por manter a hierarquia dos dispositivos que introduzem normas jurídicas no direito positivo. São, desta forma, indispensáveis à manutenção do bom funcionamento do sistema.

Entre os critérios de hierarquia, o autor acredita que deve ser elegida uma ordem de prevalência entre eles, a fim de que solucione o conflito que poderia gerar a aplicação de um dos critérios sobre o outro. Sobre o assunto, atesta: "Em seguida, há de se discutir sobre qual, posterioridade ou especialidade, teria precedência sobre o outro. Voltando a atenção à disposição final do § 2º do já citado art. 2º da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro, percebemos que como a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior há uma opção, no sistema, pela prevalência do critério da especialidade sobre a posterioridade. Assim ordenados, os conflitos entre as normas jurídicas em sentido lato (os enunciados prescritivos utilizados para compor a norma jurídica em sentido estrito), também chamados impropriamente de revogação tácita, devem ser resolvidos pela aplicação sucessiva dos seguintes critérios: (1) hierarquia, (2) especialidade e (3) posterioridade"16.

Para o autor, eventual conflito de normas deve ser resolvido com a aplicação sucessiva dos seguintes critérios: (1) hierarquia, (2) especialidade e (3) posterioridade.

Como não há hierarquia entre os enunciados-enunciados que tratam da norma geral e os enunciados-enunciados que tratam de benefícios fiscais o critério de prevalência será o da especialidade. Portanto, para pertencer à classe benefícios fiscais em sentido amplo é preciso ser norma especial (enunciado-enunciado) em relação aos enunciados-enunciados hábeis a construir a norma geral da regra-matriz de incidência do tributo.

Percebe-se, em diversos casos, que o legislador deu nomes distintos aos benefícios fiscais em sentido amplo, tais como, isenções, benefícios fiscais, incentivos fiscais, alíquota zero, redução de base de cálculo, diferimento, depreciação e amortização acelerada, drawback, crédito presumido. No entanto, o fenômeno juridicamente considerado é o mesmo, são enunciados-enunciados especiais aplicáveis no lugar dos enunciados-enunciados que criam a norma geral do tributo.

Em todas as situações, ao se construir a norma jurídica em sentido estrito de benefício fiscal, o que vemos é o sujeito beneficiado na posição de credor da obrigação de não dar ou dar a menor, pois nesse caso o modal deôntico será o de permitido pagar a menor.

Essa relação de direito subjetivo implica sua conversa, a do dever jurídico do fisco em relação ao contribuinte beneficiado, onde o fisco fica desautorizado (proibido) de exigir a prestação ou deve exigi-la a menor em relação aos demais casos da norma geral.

Não obstante o fenômeno ser o mesmo, é possível criar características que os diferenciem em espécies distintas e aproveitar os termos utilizados pelo legislador.

Cabe-nos, assim, realizar algumas classificações que reputamos relevantes. A primeira delas é a diferença entre os termos "isenção" e "benefício fiscal em sentido estrito".

Na isenção, a norma jurídica especial (enunciado-enunciado) é aplicável de maneira preferencial em relação à norma geral e traz prescrições que impedem o nascimento da obrigação tributária para determinado tributo criado por uma norma geral em matéria tributária. Não no sentido de que a norma geral incide para depois incidir a norma especial. Entendemos que a norma especial aplicável confere ao sujeito passivo o direito subjetivo ao não pagamento do tributo estabelecido na norma geral por não ser possível nascer a obrigação tributária.

Em outras palavras, o enunciado-enunciado especial estabelece o não nascimento da obrigação tributária para determinado sujeito passivo.

Exemplos de isenção:

Exemplo 01: Os médicos estão isentos do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza - ISSQN. Nesse caso, o enunciado-enunciado é especial e tem preferência de aplicação em relação à norma jurídico-tributária que estabelece que profissionais liberais são sujeitos passivos do ISSQN.

Exemplo 02: Alíquota zero. Nesse caso, a norma especial anula matematicamente a possibilidade de nascer a obrigação tributária, pois ao se multiplicar a base de cálculo por uma alíquota de valor zero o resultado será zero.

Nos benefícios fiscais em sentido estrito, o enunciado-enunciado aplicado preferencialmente em relação à norma da regra matriz de incidência tributária apenas gera a redução do quantum a pagar.

Nesse passo, sempre haverá a necessidade da conjugação de enunciados-enunciados que tratam da alíquota ou da base de cálculo com algum outro elemento da regra matriz de incidência tributária (critério material, espacial, temporal, sujeito ativo ou sujeito passivo).

Exemplos de benefício fiscal em sentido estrito:

Exemplo 01: As empresas situadas em área industrial do município de Vitória/ES terão redução de 50% na alíquota do ISSQN. Nesse caso, surge a obrigação tributária, todavia, a alíquota conjugada com o critério espacial confere ao sujeito passivo o direito subjetivo de pagar menos tributo.

Exemplo 02: Os médicos terão desconto de 50% na alíquota do ISSQN. Nesse caso, o enunciado-enunciado cria uma tributação especial para os sujeitos passivos médicos, ou seja, com a conjugação da alíquota e do sujeito passivo tem-se uma tributação diferenciada para certo grupo de prestadores de serviços.

Portanto, muito embora ambos os enunciados-enunciados que tratem de isenções e benefícios fiscais em sentido estrito sejam de aplicação preferencial em relação à norma geral, as normas especiais que instituem os benefícios fiscais em sentido estrito não impedem o nascimento da obrigação tributária, como o fazem as isenções.

Outra classificação para os benefícios fiscais em sentido amplo é de serem condicionados ou não condicionados. Esse critério classificatório pode ser construído pela leitura do art. 178 do CTN17.

Os benefícios fiscais em sentido amplo condicionados são aqueles concedidos por prazo certo e em função de determinadas condições, de sorte que não poderão ser revogados a qualquer tempo. Já os benefícios fiscais em sentido amplo não condicionados, de caráter geral, não têm o mesmo tratamento e poderão ser revogados ou modificados por lei a qualquer tempo.

Nesse caso, para não inutilizar a expressão incentivos fiscais que está citada no texto constitucional e é compreendida por grande parcela da doutrina como aquele "benefício fiscal" que exige contrapartida do contribuinte, entendemos que na nossa classificação os incentivos fiscais seriam sinônimos dos benefícios fiscais em sentido amplo condicionados.

O que se chama de contrapartida são as condições impostas pela lei para conceder o incentivo fiscal, ou seja, a condição para gozar do benefício fiscal em sentido amplo.

4 Conclusão

O que se propôs no presente artigo foi trazer novas notas em termos jurídicos ao conceito de "benefícios fiscais", isto é, visto sob o prisma normativo da "lei especial". Para tanto, partiu-se da perspectiva de enxergar o fenômeno pelo plano S1, análise dos enunciados prescritivos, muito embora se reconheça que o percurso gerador de sentido adentra em todos os planos: S1, S2, S3 e S4.

Sob esse novo ponto de vista, os "benefícios fiscais", no amplo sentido, são os enunciados-enunciados de determinado documento normativo aplicáveis de maneira especial no lugar dos enunciados-enunciados utilizados para construir a regra matriz de incidência tributária - RMIT (norma jurídica geral e abstrata).

Classificou-se os benefícios fiscais em sentido amplo em: isenções e benefícios fiscais em sentido estrito. Na isenção, o enunciado-enunciado especial é aplicável de maneira preferencial em relação à norma geral e estabelece o não nascimento da obrigação tributária para determinado sujeito passivo.

Nos benefícios fiscais em sentido estrito, o enunciado-enunciado aplicado preferencialmente em relação à norma da regra matriz de incidência tributária apenas gera a redução do quantum a pagar, por meio da conjugação de enunciados-enunciados que tratam da alíquota ou da base de cálculo com algum outro elemento da regra matriz de incidência tributária (critério material, espacial, temporal, sujeito ativo ou sujeito passivo).

Portanto, apesar dos nomes distintos dados pelo legislador, tais como, isenções, benefícios fiscais, incentivos fiscais, alíquota zero, redução de base de cálculo, diferimento, depreciação e amortização acelerada, drawback, crédito presumido, etc., o fenômeno é o mesmo: são enunciados-enunciados especiais e aplicáveis no lugar dos enunciados-enunciados que criam a norma geral do tributo, o qual denominado benefícios fiscais em sentido amplo.

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PALAVRAS-CHAVE: Benefícios Fiscais. Direito Positivo. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB.

SUMÁRIO: 1 Sobre as Definições, as Confusões e os Juristas. 2 Enunciado, Enunciação, Enunciado-Enunciado e Enunciação-Enunciada: "Benefícios-Fiscais". 3 De Volta ao Sistema do Direito Positivo: o Art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB. 4 Conclusão.

TITLE: Notes for a definition of the scientific/legal concept of "tax benefits".

ABSTRACT: Concerning the concept of "tax benefits", there is no definition in the positive law. Such a situation makes the task of the law science difficult (maybe not?!), as there is no consensus on the subject, and it is used often without proper linguistic rigor. In the legal system, and especially in the Federal Constitution, the expression "tax benefits" is almost always linked to other expressions: "tax incentives" and "exemptions".

KEYWORDS: Tax Benefits. Positive Law. Law of Introduction to the Rules of Brazilian Law - LINDB.

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Notas:

1 MOLINA, Pedro Herrera.

2 GRUPENMACHER, Betina Treiger.

3 MACHADO, Schubert de Farias. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Coord. Hugo de Brito Machado. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 507-509.

4 FAVACHO, Fernando Gomes. Definição do conceito de tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2011.

5 BOMFIM, Gilson Pacheco. Incentivos tributários: conceituação, limites e controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 49.

6 Op. cit., p. 2.

7 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 15.

8 "Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

II - a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

(...)

XII - cabe à lei complementar:

(...)

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados."

9 "Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

(...)

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

(...)

§ 3º - Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:

(...)

III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados."

10 MELO, José Eduardo Soares de. Regime jurídico dos incentivos fiscais. Coord. Hugo de Brito Machado. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 307-308.

11 PIVA, Sílvia Helena Gomes. Incentivos fiscais: uma visão a partir do constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, 2014. 249 p.

12 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. Rio de Janeiro: Noeses, 2015.

13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. Rio de Janeiro: Noeses, 2015.

14 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. p. 156.

15 BRITTO, Lucas Galvão de. Revogação de isenção, anterioridade e direito adquirido. Revista de Direito Tributário, n. 114, nov. 2011.

16 Ibidem.

17 "Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104."

Autores:
MOUSSALLEM, Tárek Moysés
FERREIRA, Stéfano Vieira Machado

Fonte: LEX

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