quinta-feira, 9 de março de 2017

Contribuições sociais do sistema S

Examinemos resumidamente as contribuições do Sistema S baseada no capítulo 5.2.2 de nossa obra “Contribuições Sociais doutrina e prática”, Editora Atlas, 2015.

Fazem parte desse Sistema S as Contribuições Sociais arrecadadas para a manutenção do SENAI, do SENAC, do SESC, do SESI, da OAB etc. Essas entidades, com exceção da OAB que é uma autarquia federal, são pessoas jurídicas de direito privado e, como tais, não poderiam ser sujeitos ativos de tributos. Logo, não teriam essas contribuições a natureza tributária não podendo, por essa razão, ser classificadas como contribuições sociais. Por isso, elas constituem as chamadas contribuições parafiscais. A parafiscalidade nada mais é do que a delegação para as entidades paraestatais do poder de fiscalizar, cobrar e apropriar-se do produto de sua arrecadação. Em outras palavras, o sujeito ativo do tributo não coincide com a entidade política detentora do poder de tributar.

De fato, é uníssona a doutrina no sentido de que a competência tributária, como aptidão para criar tributos, como quer Roque Carrazza,[1] ou faculdade que tem o Estado de criar unilateralmente tributos, no dizer de Hector Villegas, [2] contém, dentre outros traços característicos, a sua indelegabilidade.

Entretanto, grassa controvérsia acerca da constitucionalidade dessas exações. Alguns autores sustentam que essas contribuições só poderiam ser exigidas mediante lei complementar. Na verdade, não se trata de contribuições para a expansão da seguridade social a reclamar edição de lei complementar (art. 195, § 4o da CF). E também não é de ser exigida a aplicação do disposto no art. 146, III da CF para definir o fato gerador dessas contribuições sociais, previamente em nível de lei complementar, como se tratassem de impostos.

As tradicionais contribuições sociais do Sistema S foram criadas sob a vigência  da ordem constitucional antecedente por instrumentos normativos a seguir mencionados: (a) SENAI – Decreto-lei nº 4.048, de 22-1-1942 com as alterações do Decreto-lei nº 6.246, de 5-2-1944; (b) SESI – Decreto-lei nº  9.403, de 25-6-1946; (c) SESC – Decreto-lei nº 13-9-1946; (d) SEBRAE – Lei nº 8.029, de 12-4-1990; (e) SEST e SENAT (Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte) – Lei nº 8.706, de 14-9-1993.

As contribuições do Sistema S, antigamente denominadas contribuições parafiscais – SENAI, SESI, SESC – foram recepcionadas pelo art. 240 da Constituição de 1988, in verbis:

“Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos   empregadores sobre a folha de salários destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.”

No nosso entendimento as contribuições do Sistema S, independentemente do disposto no art. 240 da CF estão recepcionadas pela ordem constitucional vigente sendo abrangidas pelas contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas de que cuida o art. 149 da Lei Maior que prescreve:

“Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”.

É fora de dúvida de que as chamadas contribuições parafiscais no regime da Constituição de 1988 têm natureza de contribuição social de interesse das categorias profissionais  ou econômicas previstas no art. 149 da CF submetendo-se integralmente às normas gerais de direito tributário na dicção do STF. Assim, somente à União compete instituí-las ou majorá-las por meio de lei em sentido estrito. Entretanto em relação à contribuição social ao SEBRAE entendemos que não tem a mesma natureza das demais contribuições, como SESI, SENAI, SESC e SENAC, aproximando-se mais da característica de uma contribuição de natureza interventiva no domínio econômico a exemplo daquela prevista no § 4º, do art. 177 da CF.  Foi o que decidiu o Plenário da Corte Suprema excluindo a contribuição do SEBRAE do rol do art. 240 da CF ( RE nº 396266, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ  de 27-02-2004 ).

Como contribuições sociais de interesse das categorias econômicas ou profissionais, as contribuições do Sistema S submetem-se integralmente aos princípios tributários prescritos na Constituição Federal e às normas gerais de tributação previstas no Código Tributario Nacional. Assim, elas têm como sujeito ativo  União devendo ser fiscalizadas e cobradas pela Secretaria de Previdência Social obedecido o prazo quinquenal de decadência e prescrição aplicando-se a Súmula Vinculante nº 8 do Supremo Tribunal Federal. A partir da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil e extinção da Secretaria de Previdência Social o que se deu com o advento da Lei nº 11.457, de 16-3-2007, a competência para constituir e cobrar essas contribuições sociais passou a ser da SRF. A execução fiscal deverá ser proposta perante a Justiça Federal não se aplicando ao caso o disposto na Súmula 516 do STF: “O SESI está sujeito à jurisdição da Justiça Estadual”. Entendemos que essa Súmula não tem aplicação em matéria tributária.

Apesar da natureza tributária dessas contribuições do sistema S, o produto de sua arrecadação não integra o orçamento fiscal da União (art. 165, § 5º, I, II e III da CF). É que o total arrecadado é destinado às entidades paraestatais que são pessoas jurídicas de direito privado que não integram a Administração Pública embora prestem colaboração ao poder público. Por isso, no entender do STF os recursos financeiros quando ingressam nessas entidades paraestatais perdem o caráter de recurso público (ACO AgR/ES nº 1953, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 19-2-2014), mas se sujeitam ao controle finalístico pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos (RE 789874/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 19-11-2014).

[1] Princípios constitucionais tributários e competência tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p146
[2] Curso de finanzas, derecho financiero y tributario. Buenos Aires: Depalma, 1990, p. 82.

Kiyoshi Harada
é Mestre em Teoria Geral do Processo. Especialista em Direito Tributário, Ciência das Finanças e Teoria Geral do Processo. Professor de Direito Administrativo, Tributário e Financeiro em diversas instituições de ensino superior. Autor de 31 obras jurídicas publicadas por diferentes editoras. Ex-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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