terça-feira, 6 de outubro de 2015

06/10 Registro empresarial: incertezas e burocracia

A atividade negocial há tempos vem se ressentindo e sofrendo em relação à prestação dos serviços públicos em geral. Desde a prestação jurisdicional, quanto os órgãos fiscalizadores e inscricionais, são objeto das mais variadas críticas, tanto pela morosidade, como pela burocracia e outros desvios de natureza administrativa.

Por outro lado, o Poder Público, sempre a reboque das necessidades empresariais, vem alardeando o lançamento de "ferramentas" para facilitar a vida do empreendedor. Por exemplo, objetiva-se, no futuro, diminuir para cinco dias o prazo para abertura de empresas. Neste sentido, não há dúvida que o Estado precisa urgentemente agilizar os mecanismos para abertura e fechamento de empresas, contudo, não é só isso suficiente! De imediato, necessita-se aperfeiçoar e desenvolver a qualidade de seus serviços hoje prestados.

Prova do que ora se expõe, a seguir se elencará algumas situações verídicas ocorridas perante um desses órgãos públicos merecedores de críticas, para uma efetiva e premente melhoria de seus serviços. Trata-se do órgão incumbido do registro público de empresas – a Junta Comercial.

Falta melhor orientação às Juntas, principalmente no que concerne à observância de suas normas

Mencionar-se-á, assim, três narrativas, envolvendo episódios, reitere-se, reais, bastante ilustrativos da burocracia e da falta de atenção aos preceitos legais. Vale esclarecer, desde já, que o objetivo deste artigo é chamar a atenção das autoridades competentes, para uma nova postura procedimental.

No primeiro caso, o meritíssimo juiz da 6ª Vara Cível da Justiça Federal da Capital de São Paulo determinou à Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp), a imediata atualização dos dados cadastrais de determinada empresa, em razão de grave erro constatado nas suas informações. Não figurava na ficha cadastral, entre os documentos arquivados na Junta, a alteração de contrato social que destituiu administrador e, consequentemente, o substituiu.

No segundo episódio, a Jucesp exarou exigência em expediente societário, em razão de considerar que a atividade de "administração judicial" não configura elemento de empresa, merecendo portanto que se retificasse o objeto social da sociedade.

E no terceiro, a Junta exarou exigência em expediente societário, em razão de considerar, entre outros assuntos, a impossibilidade de se colocar quotas em tesouraria em sociedade limitada, nada obstante a própria Jucesp prever essa possibilidade.

Poder-se-ia conjecturar que se tratam de lances eventuais, ocasionados por meros equívocos perpetrados pelo excesso de documentos que dão entrada todos os dias na Junta. Entretanto, não é essa a constatação de quem trabalha diariamente com o registro empresarial.

Erra-se, insistentemente, na análise e verificação de documentos societários, bem como, é moroso o atendimento aos pedidos de fotocópia ou de emissão de ficha cadastral (em alguns casos chega a demorar mais de oito meses).

Sobre os casos em comento, para fins didáticos, é de bom tom que se faça uma breve análise de cada um deles.

No primeiro deles, é lamentável que se tenha de onerar o Poder Judiciário para fazer com que a Junta cumpra com sua principal atribuição, qual seja: tornar público as informações e os dados das empresas, seus sócios e administradores.

Ora, se nem isso a Junta faz, seria melhor extingui-la, pois, a rigor, pelo princípio da publicidade, as informações constantes nas fichas cadastrais refletem a atualidade e veracidade dos dados acerca das empresas e respectivo quadro societário.

No segundo caso, parece que a Junta se olvidou de um dos mais basilares princípios do direito de empresa, qual seja: o que define a empresariedade e seu consequente registro não é o objeto social e sim a conjugação dos fatores de produção que compreendem a organicidade da empresa.

Bastaria, pois, uma leve consulta a qualquer manual de direito societário que a dúvida seria rapidamente dirimida, evitando a oneração da parte, com uma descabida exigência. Vale esclarecer, por curiosidade, que neste caso específico a parte requerente do registro pretendia cumprir uma orientação judicial, para se adequar à Lei de Falência e Recuperação Judicial e atuar em juízo.

Continuando, no terceiro caso, como norma geral de direito societário, sem dúvida nenhuma, poder-se-ia aplicar o artigo 30, parágrafo 1º, "b" da Lei nº 6.404, de 1976, o qual evidentemente prevê a possibilidade de quotas em tesouraria. Aliás, esta é a redação do Enunciado 39 da Jucesp. Mais uma vez, aqui também, caberia uma breve leitura à legislação, para evitar uma exigência mal exarada.

Isto posto, seja diante da imperícia na análise de documentos societários, seja no retardo na atualização dos dados cadastrais, o que ocorre é que tais práticas criam uma gigantesca burocracia às empresas e aos seus sócios, sobrecarregando o já tão penoso custo Brasil.

Falta melhor orientação às Juntas, principalmente no que concerne à observância de suas normas, o que acaba por ferir de morte o princípio da eficiência administrativa, sujeitando-se, inclusive à responsabilidade por seus atos.

Enfim, caso alguém se sinta prejudicado com a temerária prática registraria, o melhor caminho é buscar o Poder Judiciário para sanar a questão.

Armando Luiz Rovai é doutor pela PUC-SP, professor de direito comercial do Mackenzie e da PUC-SP e ex-presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Armando Luiz Rovai 

Fonte : Valor

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