quarta-feira, 8 de julho de 2015

08/07 A inadimplência da administração pública

Um antigo espectro volta a rondar as licitações públicas: a mora ou mesmo a inadimplência dos órgãos contratantes. Que alternativas restam ao particular nesse contexto? 

A administração pública está subordinada à Constituição Federal, suas regras e princípios, tais como o da legalidade, equilíbrio econômico financeiro do contrato, boa-fé, proibição do enriquecimento sem causa, proteção da confiança e lealdade. 

Nos termos do art. 77 e 78 da Lei nº 8.666, de 1993, a falta de pagamento do órgão público por prazo superior a 90 dias configura inexecução total ou parcial do contrato, podendo ensejar sua suspensão ou rescisão. 

É necessário um ambiente de plena confiança e lealdade da administração pública com a iniciativa privada 

Deste modo, se o contrato ainda está vigente, pode o particular suspender ou mesmo rescindi-lo, baseado no princípio da exceção do contrato não cumprido, previsto no art. 476 do Código Civil. 

A jurisprudência entende que o prazo de mora de 90 dias revela-se inclusive excessivo, admitindo a interrupção contratual em interregnos menores. 

Nos casos em que o contrato não está mais vigente e não mais dispõe a empresa da ameaça de suspensão dos seus serviços como forma de constranger o órgão a efetuar o pagamento, é necessário atentar para algumas medidas. 

O particular deve verificar, desde logo, se o órgão está efetuando seus pagamentos seguindo a ordem cronológica das faturas e notas fiscais que lhe foram apresentadas por seus contratados, nos termos do artigo 5º da Lei 8.666. Este dispositivo visa evitar que o poder público escolha arbitrariamente quais débitos quitará. 

Como os órgãos normalmente não fornecem essa informação, a empresa pode solicitá-la por escrito, com fundamento na Lei Geral de Acesso a Informações Públicas (Lei nº 12.527). 

Após verificar que o administrador está quebrando a ordem cronológica, deve ingressar com representação perante o Tribunal de Contas e criminalmente perante o Ministério Público, eis que a Lei de Licitações, em seu artigo 92, considera crime pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, assinalando a pena de detenção, de dois a quatro anos, e multa. 

Paralelamente, deve ingressar com medida judicial para que a ordem cronológica dos pagamentos seja liminarmente reinstaurada, proibindo qualquer novo pagamento fora desta ordem. 

Vale ressaltar que a mora no pagamento do preço avençado em contrato administrativo constitui ilícito contratual, conforme a Súmula 43 do STJ, justificando a incidência de correção monetária e multa, além de pedido indenizatório caso reste demonstrado que a inadimplência acarretou prejuízos concretos para a empresa, como a impossibilidade de realização de pagamentos ou assunção de negócios ajustados. 

Esgotadas todas as tentativas, resta o ajuizamento de ação de cobrança. Vale lembrar que, embora os bens da administração pública sejam impenhoráveis, tal benefício não atinge os entes públicos que exercem atividade econômica. 

Assim, os bens de empresas públicas, autarquias, sociedades de economia mista que explorem atividade econômica são penhoráveis, não ficando o particular sujeito à expedição dos famigerados precatórios, de sempre incerta liquidação. 

O fato evidente é que a empresa conta com o recebimento dos seus créditos para poder honrar suas obrigações públicas e privadas, sujeitando-se a pesadas sanções caso não o faça. 

Qualquer atraso, seu nome será automaticamente positivado em cadastros de maus pagadores. O não pagamento de tributos, por sua vez, impede a obtenção de certidões negativas de tributos, de participar em concorrências públicas e de obter empréstimos junto a instituições financeiras. 

Está em funcionamento o Portal de Transparência da União Federal, onde estão listadas todas as empresas suspensas, impedidas de licitar ou declaradas inidôneas pela administração pública. Seria medida isonômica que nesse Portal também constassem os órgãos contumazes em não realizar seus pagamentos. 

Fundamental ainda que todos os poderes e órgãos públicos façam sua própria regulamentação do artigo 5º da Lei 8.663/93, dando transparência às suas listas de fornecedores e ordens de pagamento. 

No momento em que o Estado brasileiro, em seus três níveis, precisa tanto da iniciativa privada para viabilizar investimentos, é necessário um ambiente de plena confiança e lealdade em sua relação com a iniciativa privada. 

É urgente superar a cultura da irresponsabilidade da administração pública, resquício de tempos autoritários, anteriores à Constituição Federal e à própria Lei de Responsabilidade Fiscal. O supremo interesse público não consiste na supremacia dos interesses da administração sobre os direitos dos particulares, mas no respeito ao Estado Democrático de Direito e às garantias que lhe são inerentes. 

por Sergio Lewin é sócio do Silveiro Advogados 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor

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