segunda-feira, 6 de julho de 2015

06/07 Justiça oscila sobre manutenção de adicional do FGTS

O prêmio Nobel de Economia Milton de Friedman escreveu certa vez que “nada é tão permanente quanto um programa temporário do governo”. A lógica parece estar em voga no Brasil. Uma contribuição adicional para o FGTS criada em 2001 deveria ter acabado em 2007, mas hoje, oito anos depois, não só continua a existir como cria dúvidas entre magistrados.

O Judiciário está dividido entre a manutenção do tributo,  previsto inicialmente como temporário, e sua extinção.

A Justiça Federal de São Paulo dispensou uma empresa do grupo Cielo do recolhimento da multa adicional de 10% sobre o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), devida pelo empregador em demissões sem justa causa. Na sentença publicada esta semana (leia a íntegra abaixo), a juíza Tatiana Pattaro Pereira, da 14ª Vara Civil de São Paulo, concordou com a tese de que a finalidade da contribuição, que rende anualmente R$ 3 bilhões ao governo, acabou.

“Como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a continuidade da cobrança dessas contribuições”, afirma, na decisão.

Com fundamentação idêntica, a juíza substituta Liviane Kelly Soares Vasconcelos, da 9ª Vara Civil da capital federal, também dispensou empresas de rádio e televisão do recolhimento do adicional e determinou que a União devolva os valores recebidos indevidamente nos últimos cinco anos. Na sentença, proferida em abril, ela reconheceu a institucionalidade superveniente da contribuição pelo atendimento da finalidade para a qual foi criada.

Destinação

Instituída pela Lei Complementar 110, de 2001, a multa visava cobrir um déficit de R$ 40 bilhões no FGTS, gerado com o pagamento de expurgos inflacionários dos Planos Verão e Collor I.

Advogados têm apresentado as demonstrações financeiras do FGTS em processos para demonstrar que o fundo é superavitário. Segundo eles, o governo firmou acordos com os trabalhadores para pagamento dos expurgos. A última parcela foi paga em janeiro daquele ano. Quem não aceitou a negociação, ajuizou ações que ainda tramitam no Judiciário.

“Fato é que o patrimônio do fundo já é suficiente para arcar com a provisão”, disse ao JOTA o advogado Ricardo Martins Rodrigues, sócio do escritório Tudisco & Rodrigues Advogados.

As empresas correram ao Judiciário em 2013, depois que a presidente Dilma Rousseff vetou o Projeto de Lei Complementar 200, de 2012, que previa prazo para a extinção do adicional. O Executivo justificou, na época, que o fim da contribuição impactaria fortemente o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, financiado, segundo o próprio governo, com mais da metade da arrecadação da multa do FGTS.

Na decisão mais recente, a juíza Tatiana Pattaro Pereira considerou que a finalidade da multa era temporária e foi cumprida em 2007, quando a última parcela dos expurgos foi paga. Para fundamentar a decisão, a magistrada utiliza o próprio veto da presidente Dilma Rousseff.

“Fica evidente que a própria Administração Pública admite o desvio de finalidade da contribuição em questão. O tributo não foi criado para fazer frente às políticas sociais ou ações estratégicas do Governo, mas, sim, para viabilizar o pagamento de perdas inflacionárias nas contas individuais do Fundo”, afirma, na sentença.

Questão de direito

O advogado Raphael Longo, que defende a empresa autora da ação, chama atenção para o fato de a magistrada ter considerado a discussão sobre o fim do adicional como questão de direito, dispensando a produção de provas que comprovassem que o FGTS não é mais deficitário.

“Desse modo, seria possível entrar com mandado de segurança”, afirma o advogado do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados.

Longo pondera, porém, que o caminho mais seguro ainda é a ação ordinária porque a contribuição, por ser centralizada e operada pela Caixa Econômica Federal, não seria passível de compensação, restando ao contribuinte o pedido de restituição dos valores pagos indevidamente.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional informou que não foi intimada da sentença, razão pela qual não deve se manifestar nesse momento.

Nos tribunais

Dois anos depois de a tese ter ganhado força no Judiciário, a primeira e segunda instâncias ainda oscilam sobre o assunto. Os poucos tribunais que analisaram o assunto têm sido avessos à extinção da multa, dizem advogados.

“O Judiciário ainda não enfrentou o cerne da questão que é saber qual a real finalidade do adicional”, afirma Rodrigues.

Interpretando o parágrafo 1º do art. 3º da Lei Complementar 110, a União tem alegado que a contribuição tem por finalidade destinar novos recursos para o FGTS, “sendo irrelevante a origem da obrigação, desde que adstrita ou vinculada ao fundo”.

Em março, por exemplo, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou o pedido da Embraer para que o governo deixe de exigir o tributo e devolva o montante recolhido nos últimos cinco anos.


Para os desembargadores, o adicional só poderia ser revogado por meio de lei e a Lei Complementar 110 não fixou prazo de vigência do tributo.

“Não se trata de um preceito temporário, a viger de modo limitado no tempo, descabendo investigar se a finalidade pretendida foi ou não alcançada. Ocorrido o fato gerador, enquanto a lei estiver em vigor, será devido o tributo”, afirmou, no acórdão, o relator do caso, desembargador Néviton Guedes.

Tributaristas afirmam que, a prevalecer essa lógica, a União poderia instituir uma espécie de imposto extraordinário para financiar uma guerra, como autoriza o inciso II do artigo 154 da Constituição, e continuar recolhendo o tributo em tempos de paz.

Ainda no caso da Embraer, os desembargadores entenderam que não caberia ao TRF dispensar a exigência uma vez que o Supremo Tribunal Federal já julgou constitucional o adicional da multa. “Se o egrégio STF entendeu que não havia inconstitucionalidade que ensejasse a suspensão da eficácia do arts. 1º e 2º da LC 110/01, essa orientação é que deve ser seguida”, afirmou o desembargador Néviton Guedes.

A constitucionalidade das multas foi declarada pelo Supremo na ADIs 2556 e 2568 em 2012, onze anos depois de as ações terem sido ajuizadas. A tese sobre a perda de finalidade do tributo só foi levantada pouco antes do julgamento. Na ocasião, o ministro relator Joaquim Barbosa negou analisar a alegação sem causar, nas palavras dele, “prejuízo de novo exame pelas vias oportunas”.

Após o veto da presidente Dilma Rousseff em 2013, cinco confederações empresariais ajuizaram no STF ações diretas de inconstitucionalidade (Adins 5050, 5051, 5053), que estão sem movimentação processual há quase um ano.

Ao analisar os pedidos de liminar, o ministro Roberto Barroso, relator das ações, afirmou que as alterações do contexto ensejariam nova análise da constitucionalidade pela Corte.

“Considero possível que o próprio Supremo Tribunal Federal volte a analisar a constitucionalidade de lei declarada constitucional em determinado momento, não sendo razoável que o ato seja blindado, de forma permanente e incondicionada, contra eventuais novas impugnações”.

Diante da posição dos tribunais e da particularidade da discussão, tributaristas dão como certo que o assunto só será pacificado pelo Supremo. Mas têm ponderado com os clientes sobre o risco de eventual modulação da decisão da Corte.

“O importante agora é preservar o direito a repetição de indébito”, afirma o advogado Ricardo Martins Rodrigues.

Em 2013, para evitar a derrubada do veto no Congresso, a presidente Dilma apresentou o Projeto de Lei 328 que prevê a destinação dos recursos ao programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Em março de 2014, o governo pediu a retirada de urgência da proposta, pois passaria a trancar a pauta da Câmara naquele momento. O projeto atualmente aguarda parecer do deputado Ricardo Barros (PP/PR), na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.

Leia a íntegra da decisão da 14ª Vara Civil de São Paulo:

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – CAPITAL SP
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SAO PAULO
14ª VARA CÍVEL

0011685-27.2014.403.6100 – SERVINET SERVICOS LTDA X UNIAO FEDERAL SENTENÇA TIPO A

Trata-se de ação pelo rito ordinário, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por SERVINET SERVIÇOS LTDA. em face UNIÃO FEDERAL, objetivando o afastamento da cobrança da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar 110/2001, à alíquota de 10% (dez por cento) incidente sobre o montante dos depósitos ao FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa causa. Em síntese, a parte-impetrante aduz que a Lei Complementar 110/2001, instituiu a referida contribuição social visando o custeio das despesas da União com a reposição da correção monetária dos saldos das contas do FGTS derivadas dos denominados expurgos inflacionários. Todavia, assevera que o produto da arrecadação do tributo instituído pelo art. 1º vem sendo empregado em destinação completamente diversa, ante o exaurimento da destinação para o qual foi instituída essa exação. Às fls. 174/177, foi proferida decisão indeferindo o pedido de antecipação de tutela. Às fls. 181/213, a autora noticia a interposição de agravo de instrumento em face da decisão de fls. 174/177, sob nº 0020740-66.2014.403.0000. Citada, a União contestou às fls. 215/236, aduzindo preliminares e combatendo o mérito. Inicialmente distribuídos à 16ª Vara Cível Federal, às fls. 238 os autos foram redistribuídos a esta 14ª Vara Cível Federal, nos termos do Provimento nº 424, de 3 de setembro de 2014 do Conselho da Justiça Federal da Terceira Região. Réplica às fls. 244/257. Instadas a se manifestarem sobre a produção de provas, ambas as partes requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 241/243 e 260). Relatei o necessário. Fundamento e decido. Conheço do processo em seu estado, para julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil, diante da desnecessidade de produção de outras provas, restando apenas questão de direito. Com relação à preliminar aventada pela União, de ausência de documentos essenciais à propositura da ação, esta não deve ser acolhida. Nos termos do voto do Ministro Humberto Martins, proferido no REsp 1.111.003/PR, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009:De acordo com a jurisprudência pacífica do STJ, em ação de repetição de indébito, os documentos indispensáveis mencionados pelo art. 283 do CPC são aqueles hábeis a comprovar a legitimidade ativa ad causam do contribuinte que arcou com o pagamento indevido da exação. Dessa forma, conclui-se desnecessária, para fins de reconhecer o direito alegado pelo autor, a juntada de todos os comprovantes de recolhimento do tributo, providência que deverá ser levada a termo, quando da apuração do montante que se pretende restituir, em sede de liquidação do título executivo judicial.

Indo adiante, no mérito, o pedido deve ser julgado procedente. No caso dos autos, a parte autora pretende afastar a exação veiculada pelo art. 1º da Lei Complementar 110/2001, à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o montante dos depósitos ao FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa causa. Consoante se verifica dos dispositivos da LC nº 110/2001, ela instituiu duas contribuições sociais, uma, a prevista no art. 1º, devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre os depósitos devidos referentes ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas, por prazo indefinido. A segunda, a do art. 2º, devida pelos empregadores, à alíquota de 0,5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, pelo prazo de sessenta meses. O E. STF, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.ºs 2.556-2/DF e 2.568-6/DF, pronunciou-se pela constitucionalidade da LC 110/01, entendendo que as novas contribuições para o FGTS são tributos e que configuram, validamente, contribuições sociais gerais, ressalvando-se expressamente o exame oportuno de sua inconstitucionalidade superveniente pelo atendimento da finalidade para a qual o tributo foi criado. No voto condutor, proferido pelo relator Ministro Joaquim Barbosa na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.556-2/DF, foi consignado que, conforme informações prestadas pelo Senado Federal, as contribuições foram criadas visando, especificamente, fazer frente à atualização monetária dos saldos das contas fundiárias, quanto às perdas inflacionárias dos Planos Verão e Collor I (abr/90), em benefício de empregados que firmaram o Termo de Adesão referido no artigo 4º da LC n.º 110/01. Assim, o tributo não se destinaria à formação do próprio fundo, mas teria o objetivo de custear uma obrigação da União que afetaria o equilíbrio econômico-financeiro daquela dotação. E, conforme ressaltou o relator Ministro Joaquim Barbosa a existência das contribuições, com todas as suas vantagens e condicionantes, somente se justifica se preservadas sua destinação e sua finalidade. Afere-se a constitucionalidade das contribuições pela necessidade pública atual do dispêndio vinculado (motivação) e pela eficácia dos meios escolhidos para alcançar essa finalidade. A finalidade para a qual foram instituídas essas contribuições (financiamento do pagamento dos expurgos do Plano Verão e Collor) era temporária e já foi atendida, tendo em vista que a última parcela dos complementos de correção monetária foi paga em 2007, conforme cronograma estabelecido pelo Decreto n.º 3.913/01. Desta forma, como as contribuições têm como característica peculiar a vinculação a uma finalidade prevista, atendidos os objetivos fixados pela norma, nada há que justifique a continuidade da cobrança dessas contribuições. Vale lembrar que o Projeto de Lei Complementar n.º 198/07, aprovado pelo Congresso Nacional, estabelecia termo final em 01.06.2013 para a exigência da contribuição prevista no artigo 1º da LC n.º 110/01, considerando a saúde financeira do FGTS. O veto presidencial total restou assim justificado: A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Servico – FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS. Fica evidente que a própria Administração Pública admite o desvio de finalidade da contribuição em questão. O tributo não foi criado para fazer frente às políticas sociais ou ações estratégicas do Governo, mas, sim, para viabilizar o pagamento de perdas inflacionárias nas contas individuais do Fundo. Sendo assim, restando esgotada a finalidade da contribuição, reconheço a violação a direito líquido e certo da impetrante. Assim, ante ao exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para afastar a incidência da contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar 110/2001, nos termos da fundamentação. Reconheço, ainda, o direito da parte impetrante à restituição dos valores indevidamente pagos, respeitada a prescrição quinquenal. A correção monetária e os juros devem obedecer ao disposto no Manual de Orientações e Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de dano irreparável, já que o Autor pode vir a ser prejudicado por medidas tomadas pelo órgão fazendário na exigência desses créditos tributários, revejo a decisão de fls. 174/177 e concedo a tutela antecipada, nos termos do art. 461, 3º, do CPC, para determinar a suspensão da exigibilidade desses créditos tributários até decisão final. Condeno a Ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação. Sentença sujeita ao reexame necessário. Noticie-se nos autos do agravo de instrumento nº 0020740-66.2014.403.0000 a prolação desta sentença. P.R.I. e C

por Por Bárbara Pombo

Fonte: Jota

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