segunda-feira, 13 de outubro de 2014

13/10 Desoneração fiscal e suas inconstitucionalidades

Para melhorar sua imagem, o governo federal vem lançando mão de novos modelos tributários supostamente desoneratórios. Dois exemplos: a não cumulatividade do PIS e da Cofins e a desoneração da folha de salários. Pelo primeiro, as empresas passaram a ter direito ao crédito destas contribuições sobre seus custos e insumos – embora com elevação das alíquotas vigentes. No segundo, a contribuição previdenciária deixou de incidir sobre a folha de salários, passando a onerar a receita bruta das empresas. Embora tais novos sistemas visaram atender a um antigo reclamo do setor empresarial, sua aplicação prática acarretou uma série de distorções. Ocorre que, nem todas as empresas alcançadas pelas desonerações foram beneficiadas, pelo contrário, algumas experimentaram aumento de carga tributária.

No caso da não cumulatividade do PIS e da Cofins, foram prejudicadas as empresas que não estão inseridas em cadeias produtivas longas ou cujos principais insumos a legislação sequer garantiu o direito ao crédito. Por exemplo, nas empresas de prestação de serviços, cujo principal custo é com o pessoal, a legislação proibiu o crédito sobre este item.

O mesmo ocorreu no caso da desoneração da folha de salários, relativamente às empresas com elevado faturamento em proporção a sua folha de salários. Em ambos os casos, legislações aprovadas no Congresso Nacional com o pretexto de trazer alívio tributário, acarretaram, na prática, o oposto disso. As referidas legislações poderiam ter deixado à opção das empresas aderir aos novos regimes, mas não o fizeram, tornando-os obrigatórios. Neste cenário, surge a seguinte questão: o contribuinte prejudicado deve resignar-se? Estaria o julgador, ante o primado do princípio da legalidade, tolhido em sua prerrogativa de fazer justiça no caso concreto? Ou poderia garantir aos contribuintes prejudicados pela suposta ‘desoneração’ a permanência nos sistemas anteriores, que lhes eram mais benéficos? O debate aqui é de fundo doutrinário, mas com consequências práticas.

O legislador incorreu em equívoco ao não assegurar ao contribuinte o direito de escolha

Trata-se de verificar o que fazer com leis que, embora não sejam inconstitucionais, acarretam efeitos inconstitucionais quando aplicadas. Embora o juiz não possa atuar como legislador positivo, criando novas leis no ordenamento jurídico, pode determinar a sua aplicação de modo a privilegiar sua compatibilidade com a Constituição, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ora, não é razoável e proporcional uma legislação que, tendo sido promulgada para gerar alívio tributário, entrega o oposto disto. O intérprete tem o dever de fazer com que sua aplicação ocorra de modo a torná-la compatível com o texto constitucional, livre de ofensas aos seus princípios maiores.

O postulado do legislador coerente, tão bem desenvolvido por Humberto Ávila, preceitua que tendo o legislador tomado a decisão fundamental de instituir determinado regime fiscal, deve ele desenvolvê-lo de modo consequente e isento de contradições. O legislador, porém, não se desincumbiu destes deveres na implementação do regime não cumulativo, porque “deixou de honrar o critério de distinção eleito (capacidade compensatória de créditos anteriores) e a finalidade que o justifica, afastar o efeito econômico perverso do acúmulo da carga tributária durante o ciclo econômico”.

Em relação à desoneração da folha, tendo em vista que as contribuições possuem validação finalística, a contribuição previdenciária sobre a receita apenas será válida se atingir a finalidade para a qual foi criada, que é a desoneração da folha de pagamentos e o estímulo a economia. O que em suma fica claro é que o legislador incorreu em equívoco ao não assegurar ao contribuinte o direito de escolha em aderir ou não aos novos regimes supostamente desoneratórios. Agiu, assim, de modo a não privilegiar a liberdade, mas de tolhê-la, contrariando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já proclamou: “O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.” A prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.” (ADI-MC 1407/DF, relator ministro Celso de Mello, DJ 24/11/2000).

A doutrina e a jurisprudência já começam a analisar o tema, afastando a aplicação das duas sistemáticas desoneratórias às empresas que dela só ficaram com a parte ruim, isto é, o aumento da carga tributária. Em um país em que tão pouco se pratica a desoneração tributária, é esperado que, ao menos quando o propósito é este, as empresas tenham de fato algum alívio. Com a palavra, os tribunais.

por Sergio Lewin é sócio da Silveiro Advogados.

Fonte: Valor Econômico

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