segunda-feira, 8 de setembro de 2014

08/09 Parâmetros estabelecidos pelo STF resolvem divergências administrativas

O debate a respeito da definição dos atributos da palavra receita contida na alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal de 1988, já consumiu mais de uma década de longas discussões e decisões em um e outro sentido.

Não obstante na doutrina se perceba certa comunhão sobre quais seriam as características que demarcam a definição desta palavra, ela está longe de repercutir no âmbito da Receita Federal do Brasil e também do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que, no mais das vezes, ainda se apegam ao critério do mero ingresso financeiro para justificar o auferimento de receita tributável e o reafirmam no suposto fundamento contido nos artigos 1º das Leis Federais 10.637/02 e 10.833/03, com suas alterações posteriores, segundo o qual as receitas assim se reconheceriam “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”.

Tal divergência, no entanto, parece-nos que deverá arrefecer significativamente, na medida em que o STF, em dois recentes julgados proferidos em procedimento de repercussão geral de que trata o artigo 543-B do Diploma Processual, firmou os alicerces para a definição deste vocábulo, à luz do mencionado dispositivo constitucional.

Vale dizer, sob tal perspectiva o STF demarcou quais devem ser os critérios que servem para distinguir a receita do mero ingresso financeiro ou mesmo de qualquer outra palavra e, por se tratar de julgamento em sede de repercussão geral, deve ser aplicado pelos demais órgãos judicantes, assim como, e especialmente, pela RFB e pelo CARF.

No julgamento do RE 586.482/RS (DJe 19/06/2012), o STF foi expresso ao afirmar que a receita tributável pelas contribuições ao Pis e a Cofins é aquela coincidente com o direito de crédito que o vendedor “passa a deter em face do comprador, crédito esse equivalente ao preço que o comprador se comprometeu a pagar quando da celebração do contrato. Nesse momento é que nasce a relação jurídica, que se dá juntamente com a ocorrência do fato jurídico tributário.” Mais recentemente reafirmou a Corte Constitucional este critério de definição de receita, ao assim se manifestar no julgamento do RE 606.107/MG (DJe 25/11/13), cujo item V da respectiva ementa é categórico e vale sua transcrição por completo:

“V – O conceito de receita, acolhido pelo artigo 195, I, “b”, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (artigo 1º) e Lei 10.833/03 (artigo 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.”

Nota-se, assim, nestes dois julgados, que o STF estabeleceu as características que devem ser relacionadas à palavra receita contida na alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal de 1988, dentro das quais não está, frise-se, aquela que reiteradamente é invocada pela RFB e por alguns julgados do Carf, qual seja a de que é irrelevante a denominação ou classificação contábil para o fim de identificá-la.

A Suprema Corte é taxativa ao asseverar que somente a perspectiva contábil é insuficiente para a tarefa de demarcar o que é ou não é receita sujeita ao Pis e a Cofins e deve ela, portanto, ajustar-se ao conteúdo constitucional conferido a esta palavra. E sob este prisma, concluiu o tribunal, só se qualifica receita o direito de crédito que o credor possui em face do devedor, definitivamente incorporado ao seu patrimônio (artigo 91, Código Civil de 2002). Vale dizer, não submetido a qualquer restrição ou condição e que se traduza em elemento novo e positivo deste patrimônio.

Estes atributos, portanto, afastam em definitivo o argumento de que a receita se manifesta sob qualquer ingresso, registro ou movimentação de valores contabilizáveis. Outrossim, recuperações de custos, despesas ou meros lançamentos redutores do passivo contábil da pessoa jurídica não implicam, necessariamente, receita tributável, porque não configuram elementos novos e positivos integrados ao seu patrimônio. São exemplificativas e não taxativas, portanto, as hipóteses contidas no inciso V do parágrafo 3º do artigo 1º das Leis 10.637/02 e 10.833/03, assim como no inciso II do parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 9.718/98.

Outro dado relevante a ser explanado é o que se refere aos efeitos destas decisões proferidas no âmbito da repercussão geral. No julgamento do AgR AI 621.722/RJ (DJe 21/02/2013), a 1ª Turma do STF entendeu que os julgados desta espécie, na medida em que firmam a interpretação definitiva a ser dada à Constituição Federal de 1988 e reafirmam o papel deste tribunal como seu Guardião (ADI  3.345 – DJE de 20 de agosto de 2010), devem ser necessariamente aplicados a outros casos em que, conquanto possuam dessemelhança fática, coincidam nos fundamentos de direito.

A nosso ver acertado este entendimento, pois a decisão diz sobre a definitiva intepretação constitucional de certo dispositivo. Logo, toda e qualquer discussão, por mais variadas que sejam as questões fáticas nela envolvidas, mas que se reportem àquele dispositivo constitucional cujos parâmetros já foram delimitados pela Suprema Corte, deverá ser invariavelmente analisada e julgada à luz destes parâmetros.

No âmbito do processo administrativo federal isto assume particular importância, na medida em que há regras específicas que exigem este enquadramento tanto da RFB, quanto do Carf.

No que se refere à RFB, seus procedimentos, inclusive os de julgamento de questões tributárias, devem observar e aplicar aos casos concretos aquela diretriz constitucional dada pelo STF, pois assim lhe determina o inciso I do artigo 2º da Lei 9.784/98, ao prever que sua atuação deverá ser não somente conforme a lei, mas especialmente de acordo com o Direito, assim entendido justamente como a orientação definitiva fixada pela Suprema Corte (Carf - Acórdão 107-08.623 – julgado em 21 de junho de 2008).

Quanto ao Carf, a previsão é ainda mais objetiva, porquanto o artigo 62-A de seu Regimento Interno (Portaria MF 256/2009) prevê que este Tribunal deverá seguir aquelas orientações fixadas pela Suprema Corte, nos termos dos procedimentos de repercussão geral, de que trata o citado artigo 543-B do CPC.

Saliente-se que este dispositivo regimental exige o alinhamento dos julgados do Carf aos da Suprema Corte quando houver julgamento de mérito, vale dizer quando os fundamentos de direito tiverem sido analisados efetivamente pelo STF. O Regimento Interno, portanto, se ordena àquele julgado da 1ª Turma do STF, consoante o qual as orientações definitivas da Corte Constitucional devem ser aplicadas também a casos que apresentem distinção fática, desde que se identifiquem nos fundamentos de direito.

Conclui-se, assim, que aqueles critérios fixados ao vocábulo receita, previsto na alínea “b” do inciso I do artigo 195 da Constituição Federal de 1988, deverão ser observados pela RFB e especialmente pelo Carf, independentemente da diversidade de questões fáticas contidas nos respectivos julgados.

por Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli é sócio do Advocacia Lunardelli.

Fonte: Conjur

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