segunda-feira, 7 de julho de 2014

07/07 Responsabilidade tributária difere da responsabilidade civil

Com o recente julgamento pela 3ª Turma do STJ, em que se firmou a tese de que a mera demonstração de insolvência da pessoa jurídica ou sua dissolução irregular não são suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, esboçou-se uma manifestação doutrinária de levar essa orientação jurisprudencial para o âmbito tributário, a fim de livrar os bens dos sócios-gerentes da penhora nas execuções fiscais.

De fato conferir tratamento harmônico entre as execuções civis e execuções fiscais seria o caminho mais fácil para os contribuintes  se livrarem das execuções arbitrárias e ilegais consagradas pela jurisprudência.

Ocorre que a responsabilidade tributária difere da responsabilidade civil. Para se qualificar como contribuinte, sujeito natural da obrigação tributária, é irrelevante o fato de a pessoa física ser capaz ou incapaz. Praticado o fato tipificado na lei tributária material surge ipso facto a obrigação tributária e consequentemente sua responsabilidade independentemente de ser capaz ou incapaz.

Não se inserindo a matéria concernente à responsabilidade dentre os conceitos ou formas de direito privado para definir ou limitar competências tributárias, o conceito de responsabilidade previsto na lei civil não tem efeito vinculante dentro do direito tributário (art. 110 do CTN). 

Dessa forma, os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários (art. 109 do CTN).

Por isso, o art. 34 do CTN regulou a responsabilidade solidária do sócio de forma diferente do que está disciplinado no Código Civil. Apesar de se referir a responsabilidade solidária limitou essa responsabilidade do sócio apenas para a hipótese de dissolução da sociedade de pessoas e impossibilidade de exigência da obrigação tributária principal em relação ao contribuinte.

E no art. 135 que interessa de perto para o presente estudo, o CTN regulou a responsabilidade pessoal dos sócios “pelos créditos tributários correspondentes a obrigações tributárias  resultantes de atos praticados com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatuto.” (art. 135, III do CTN).

O texto é de uma clareza lapidar: o sócio só é responsável pelo crédito tributário que tiver origem no ato que ele praticou com excesso de poderes, infração de lei, contrato ou estatuto. Pelo crédito tributário preexistente a esses atos o sócio não responde. O Código estabeleceu uma hipótese de transferência de responsabilidade natural da pessoa jurídica para o sócio na hipótese de a irregularidade do ato por ele praticado resultar em obrigação tributária.

A jurisprudência do STJ desprezou o que está prescrito no caput aplicando o disposto em seu inciso III, sem a menor preocupação quanto a investigação de como e quando surgiu a obrigação tributária que resultou na constituição do crédito tributário. Simplesmente criou a hipótese de dissolução irregular de sociedade que não está expresso, nem implícito nesse art. 135, para incluir essa hipótese nos casos de responsabilidade pessoal do sócio gerente. O que é pior, sem qualquer vinculação do crédito tributário com o fato da dissolução irregular.

E para a perfeita aplicação dessa hipótese decorrente de criação pretoriana editou a Súmula 435: “Presume-se dissolvida irregularmente  a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

Essa atividade legiferante do STJ retira do Colendo Tribunal o caráter de órgão imparcial para a solução da lide entre a Fazenda e o contribuinte. E mais, atenta contra o princípio da independência e harmonia dos Poderes que se insere no núcleo protegido por cláusulas pétreas.

Não se pode, a pretexto de harmonizar a aplicação da responsabilidade civil e a responsabilidade tributária, adotar o posicionamento de início referido da 3ª Turma do STJ, ainda que perseguindo o legítimo interesse de livrar os contribuintes de constantes redirecionamentos de execuções fiscais contra os sócios. Isso seria confundir a matéria concernente a desqualificação de personalidade jurídica por decisão judicial, nos casos previstos no art. 50 do Código Civil, com a matéria concernente a responsabilidade tributária pessoal do sócio prevista no art. 135, III do CTN. A confusão dessas duas áreas distintas acabaria por trazer mais malefícios em termos de clareza dos institutos de direito civil e de direito tributário do que eventual benefício imediato de se livrar de uma execução indevida.

O certo é lutar pelo restabelecimento e supremacia da lei sobre os julgados. O juiz não pode, a pretexto de interpretar a lei, inovar a ordem legal. O Judiciário só pode agir como legislador negativo, jamais como legislador positivo ainda que com fins nobres para suprir eventuais deficiências do legislador. Quando isso é feito por um órgão não vocacionado a legislar, normalmente, aperfeiçoa-se uma legislação imperfeita, mas cria-se inúmeras outras situações conflituosas, que surgem como efeitos colaterais imprevistos pelo julgador que não tem órgãos de assessoramento legislativo a seu dispor.

por KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

HARADA, Kiyoshi. Responsabilidade tributária difere da responsabilidade civil. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 07 jul. 2014. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=390_Kiyoshi_Harada&ver=1886>. Acesso em: 07 jul. 2014.

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