segunda-feira, 7 de julho de 2014

07/07 O caso das “Notícias Siscomex”

A surpresa já se tornou um hábito legislativo no Brasil e a maioria das leis entram em vigor já na data de sua publicação – mesmo sendo recomendável que o legislador contemple prazo razoável para que a lei seja amplamente conhecida antes de vigorar (art. 8º da LC nº 95, de 1998).

As normas aduaneiras costumam surpreender os operadores do direito, igualmente, mas nesse ramo o Poder Executivo Federal vem inovando, já que certos atos normativos entram em vigor mesmo sem publicação no Diário Oficial da União – posto que divulgados apenas na internet.

É o caso das “Notícias Siscomex”, veiculadas exclusivamente no Portal Siscomex e editadas pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior (Ministério do Desenvolvimento). Importadores são surpreendidos rotineiramente no Brasil com a edição de regras daquele tipo após o embarque da mercadoria no exterior. As “Notícias Siscomex” estipulam modificações relevantes no tratamento aduaneiro de importações, como a exigência de licenciamento prévio, ou a obrigação de comprovação do preço de mercado no exterior.

O Executivo Federal vem inovando, já que certos atos entram em vigor mesmo sem publicação no Diário Oficial

Com frequência o tempo necessário para o atendimento às novas exigências (mesmo que após o embarque) compromete os custos da importação, onerando os gastos com a armazenagem dos produtos, a ponto de tornar desvantajoso o negócio em algumas situações.

É conveniente amparar o importador quanto a custos e burocracia que só são conhecidos no desembaraço aduaneiro, mas que eram desconhecidos no momento do embarque no exterior. Ainda que não publicadas no Diário Oficial, as “Notícias Siscomex” deveriam sempre assegurar um prazo razoável antes da vigência, para que pudessem ser assimiladas pelos operadores desse ramo.

Mas o que salta aos olhos é que as “Notícias Siscomex” (como qualquer outro ato normativo) não estão dispensadas de publicação no Diário Oficial. A exigência vem prevista no art. 1º do Decreto-Lei nº 4.657, de 1942 e no Decreto nº 4.520/02.

A publicação no órgão oficial remete à necessidade de se demarcar formalmente o prazo inicial de vigência da norma (embora seja possível comprovar a data de divulgação pela página na internet), mas sobretudo é um imperativo de segurança jurídica, pois se cada órgão do Executivo decidisse divulgar seus atos somente pelos respectivos portais na internet, seria tarefa difícil tomar conhecimento das normas. É intuitivo que a publicação concentrada num só órgão oficial, próprio para essa finalidade, evita a trabalhosa consulta a múltiplas fontes esparsas.

O Poder Judiciário chegou a examinar situações em que importadores foram surpreendidos com exigências baixadas pelas “Notícias Siscomex” depois do embarque da mercadoria, mas nos poucos precedentes até aqui identificados as exigências só foram afastadas quando consideradas retroativas.

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região (com sede no Rio Grande do Sul), por exemplo, dispensou a exigência de licença prévia em face de importações já embarcadas à época da divulgação da respectiva “Notícia Siscomex”, mas com fundamento na impossibilidade de efeito retroativo daquele ato (Apelação Cível nº 5006293-70.2011.404.7208/SC, j. 5.9.2012, Rel. Des. Federal Dr. Fernando Quadros da Silva). O mesmo ocorreu no julgamento do Agravo de Instrumento nº 5015671-43.2011.404.0000/SC, j. 16.11.2011, em decisão da lavra do mesmo relator.

Em outro precedente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter multa exigida pelo Fisco junto a importador que teria deixado de informar, à autoridade aduaneira, a correta modalidade da declaração apresentada para despacho (declaração preliminar) – obrigação que, no caso concreto, vinha prevista na Notícia Siscomex nº 45/99, considerada descumprida pelo importador (Recurso Especial n. 1.247.667/SC, j. 19.3.2002, Rel. Min. Castro Meira).

Vale dizer, nos processos onde o tema foi ventilado ainda não houve discussão explícita sobre a necessidade de publicação daqueles atos no Diário Oficial da União.

O importador cuidadoso deve envidar todos os esforços para conhecer as regras em vigor no tocante à operação de comércio exterior que pretenda iniciar, mas não se pode esperar que se adapte a uma norma divulgada apenas pela internet, com vigência imediata, que passa a exigir licença prévia (ou seja, antes do embarque da mercadoria no exterior), especialmente se o embarque já ocorreu.

Em outras palavras, se no Brasil não é possível evitar a surpresa em matéria de comércio exterior (porque nem sempre as regras em vigor no momento do embarque são aquelas que serão aplicadas à importação no ato da apresentação da declaração de importação para registro), e se prevalece, ao fim e ao cabo, a vigência imediata como regra nas normas aduaneiras, então é imperioso que se assegure ao operador do direito pelo menos o conhecimento prévio da norma, não sendo possível ignorar a necessidade de sua publicação na imprensa oficial – por mais prática e difundida que seja a disponibilização do texto em portais na internet.

por Rogério Pires da Silva é advogado em São Paulo, sócio de Boccuzzi Advogados Associados

Fonte: Valor Econômico

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